sábado, 12 de março de 2016

LEI DE TORTURA: LEI 9455/97

Aula em 04/08//2012

Lei de Tortura – Lei n. 9455/97

Introdução:
Após a 2ª Grande Guerra Mundial, nasce um movimento mundial de repudio a tortura. São criados vários tratados, alguns ratificados pelo Brasil, como a Convenção contra a tortura ou tratados cruéis e Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura. Posteriormente, advém a Constituição de 1988 dizendo expressamente que “ninguém será submetido a tortura”.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III* - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Sabemos que, em regra, nenhum direito ou garantia fundamental, até mesmo a vida, é absoluto. A garantia de não submissão à tortura, contudo, não comporta nenhuma forma de exceção no ordenamento jurídico brasileiro.
Até então, só havia carta de intenções repudiando a prática de tortura. Então, em 1990, o legislador promulgou a Lei 8069/90 e criou um tipo especial de tortura tendo como vítima criança e adolescente. Após, veio a Lei 9455/97, intitulada Lei de Tortura, revogando o art. 233 do ECA.
A lei 8072/90 previu crimes hediondos e equiparou a eles o crime de tortura.
Os documentos internacionais definem tortura como crime próprio, ou seja, que só pode ser praticado por agente do Estado. A lei 9455/97 reconhece crime de tortura praticado por pessoa comum, não representante do Estado, não exigindo qualidade do sujeito ativo.

(Im)prescritibilidade
Ordinariamente, os crimes, por graves que sejam, são prescritíveis. Figuram como exceções constitucionais a prática do racismo (Art. 5º, XLII) e a ação degrupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional eo Estado democrático (Art. 5º, XLIV)

Constituição Federal e Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados com quórum qualificado.
Tortura prescreve
 


Tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados com quórum simples são infraconstitucionais, mas supralegais.
Tortura não prescreve
 


Lei ordinária
Tortura prescreve

Correntes:
1ª) Considerando que a CF/988 rotulou a tortura como um delito prescritivo; Considerando que os Tratados Internacionais que tornam a tortura imprescritível são infraconstitucionais, deve prevalecer a Constituição. Gilmar Mendes já se pronunciou a respeito do tema, entendendo que, na época da ditadura, o legislador quis claramente não tipificar a tortura como crime imprescritível.
        2ª) Considerando que no conflito entre a CF/88 e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos deve prevalecer a norma que melhor atende os Direitos Humanos (princípio pro homine), os tratados internacionais, na questão da prescritibilidade da tortura de prevalecer sobre a Constituição Federal. O STJ, no REsp 816.209/RJ decidiu que são imprescritíveis as ações de reparação de dano em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o regime militar. Fundamentou no princípio da dignidade da pessoa humana, se podendo extrair nas entrelinhas o pro homine.
        3ª) a imprescritibilidade trazida pelos tratados é incompatível com o Direito Penal Moderno e com o Estado Democrático de Direito.

Lei 9.455/97
Essa lei não define o que é tortura, mas explica, desde logo, o que constitui tortura.
Passemos a cada uma das espécies:
       
Tortura-prova, Tortura para fins de cometimento de crimes e tortura-preconceito
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum)
        Sujeito passivo: qualquer pessoa (crime comum)
Portanto, o inciso I trata de crime bicomum.
        Conduta típica: constranger alguém com emprego de violência (desde vias de fato até homicídio) ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental.
        Finalidade:
a) obter informação, confissão ou declaração da vítima ou terceira pessoa. A doutrina denomina tortura-prova. Exemplos: Credor tortura devedor para confessar a dívida; policial tortura cidadão para confessar o crime. O delito de tortura se consuma com o constrangimento causador de sofrimento à vítima, dispensando efetiva obtenção da informação desejada. É possível a tentativa.
        b) provocar conduta de natureza criminosa; é a chamada tortura para a prática de crime. Exemplo. Torturar a vítima, que, sob coação moral irresistível, mata alguém; torturar alguém que, sob coação moral irresistível, mente em juízo. Nesses casos, o torturador responderá, em concurso material, pela tortura e pelo homicídio/falso testemunho. Esta modalidade de tortura se consuma com o constrangimento, dispensando que o torturado pratique a conduta criminosa. Ocorrendo o crime visado pelo torturador, caracterizará o concurso de delitos. Admite-se tentativa.
“Conduta de natureza criminosa”:
1ª corrente: abrange contravenção penal (Mauro Lima);
2ª corrente: não abrange contravenção penal, evitando-se analogia in malam partem. É a que prevalece.
        c) em razão de discriminação racial ou religiosa: a doutrina denomina tortura-preconceito ou tortura-discriminatória. Não exige finalidade específica. Não abrange discriminação econômica, social ou sexual. Consuma-se com o constrangimento da vítima, sendo perfeitamente possível a tentativa.
Tortura do art. 1º, inciso I
Tortura-prova
Tortura para a prática de crime
Tortura-preconceito
Finalidade: obter informação, confissão ou declaração da vítima ou terceira pessoa.
Finalidade: provocar conduta de natureza criminosa.
Finalidade: não há finalidade específica.
Consumação: O delito de tortura se consuma com o constrangimento causador de sofrimento à vítima.
Consumação: Consuma-se com o constrangimento, dispensando que o torturado pratique a conduta criminosa.
Consumação: Consuma-se com o constrangimento da vítima.
Exemplos: Credor tortura devedor para confessar a dívida; policial tortura cidadão para confessar o crime.
Exemplos. Torturar a vítima, que, sob coação moral irresistível, mata alguém; torturar alguém que, sob coação moral irresistível, mente em juízo.
Exemplos: tortura contra judeus, muçulmanos.
Obs. Não abrange discriminação econômica, social ou sexual.

Pena: 2 a 8 anos

Tortura-castigo
Art. 1º Constitui crime de tortura:
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Sujeito ativo: só pode ser praticado por quem tem a guarda, poder ou autoridade sobre a vítima. Crime próprio.
O policial militar que auxilia a polícia civil na contenção de rebelião em estabelecimento prisional, durante a operação, detém, legitimamente, guarda, poder ou autoridade sobre os detentos, ainda que momentânea, podendo responder pelo crime de tortura-castigo (STJ)
        Sujeito passivo: só pode ser vítima quem se encontra sob a guarda, poder ou autoridade do agente.
        Conduta: submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. É a chamada tortura-castigo.
A intensidade do sofrimento é que diferencia de forma mais clara a tortura do delito de maus-tratos.
        Consumação: ocorre com o constrangimento que causa intenso sofrimento físico ou mental da vítima.
        Pena: 2 a 8 anos

Tortura sem finalidade específica
Art. 1º Constitui crime de tortura:
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum)
        Sujeito passivo: pessoa presa (sob prisão provisória, definitiva, disciplinar e civil) ou sujeita a medida de segurança (em internação ou tratamento ambulatorial). Prevalece abranger também adolescentes infratores internados ou em semiliberdade. É, portanto, crime próprio.
        Conduta: submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
Cuidado: não exige emprego de violência ou grave ameaça.
No §1º, diferentemente do que ocorre nos incisos I e II, o dolo não exige a finalidade especial animando o agente.
Exemplos: colocar uma adolescente infratora para cumprir MSE junto com homens; colocar preso em cela insalubre e escura; população linchando um furtador.
        Consumação: ocorre com a submissão da vítima a sofrimento físico ou mental, sendo possível a tentativa.
Tipo Penal
Sujeitos
Modo de Execução
Resultado
Finalidade

Art. 1º, inc. I
Qualquer pessoa
(Crime bicomum)
Emprego de violência ou grave ameaça
Sofrimento físico ou mental
a) tortura-prova
b) tortura para a prática de crime
c) tortura-preconceito
Art. 1º, inc. II
Sujeitos ativo e passivo próprios
(crime próprio)

Emprego de violência ou grave ameaça
Intenso sofrimento físico e mental
Aplicar castigo ou medida de caráter preventivo
Art. 1º, par. único
Sujeito ativo comum, mas sujeito passivo próprio (preso ou sujeito a medida de segurança)



Prática de ato ilegal


Sofrimento físico ou mental



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Tortura-omissão
Art. 1º Constitui crime de tortura:
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

Tortura-omissão imprópria:
O agente tinha o dever de evitar a tortura
Sujeito ativo: garante ou garantidor do art. 13, §2º CP (crime próprio)
Sujeito passivo: qualquer pessoa (crime comum)
Pena: 1 a 4 anos. Alguns doutrinadores criticam porque fere o que prevê o art. 13, §2º CP.
Correntes:
§2º é inconstitucional
§2º é constitucional
§2º é constitucional (prevalece)
Logo, a pena será de 2 a 8 anos
Logo, a pena é de 1 a 4 anos
Pena de 1 a 4 anos
Logo, o crime é equiparado a hediondo
Forma culposa pois a tortura dolosa é punida
da com pena de 2 a 8 anos
Crime não equiparado a hediondo (vide art. 7º da lei em comento)

Tortura omissão própria: o agente que tinha o dever de apurar
Sujeito ativo: agente com dever de apurar (crime próprio)
Sujeito passivo: qualquer pessoa (crime comum)
Conduta o agente tolera, é condescendente com a tortura pretérita.
Pena: 1 a 4 anos. Alguns doutrinadores criticam porque fere o que prevê o art. 13, §2º CP.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.

O dispositivo traz a figura da tortura qualificada e não se confunde com o art. 121, §2º, inciso III do CP (homicídio qualificado por tortura).
Art. 1º, §3º Lei 9455/07
Art. 121, §2º, inciso III do CP
Tortura: fim (doloso)
Morte: resultado culposo
Conclusão: delito preterdoloso
Morte: fim (doloso)
Tortura: meio
Conclusão: crime doloso
Juiz singular
Júri popular

A qualificadora do §3º (lesão grave, gravíssima, morte) se aplica a todas as espécies de tortura?
1ª corrente (LFG): aplica aos incisos I e II, ao §1º e ao 2º, neste último caso somente na omissão imprópria;
2ª corrente (Paulo Juracic): aplica aos incisos I e II e ao §1º.
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o crime é cometido mediante seqüestro.

Esse dispositivo traz hipóteses de causas de aumento de pena quando o crime de tortura for cometido:
- por agente público: a regra deve ser interpretada à luz do art. 327 do Código Penal.
Cuidado: para ocorrer o aumento, é necessário que o agente atue nessa qualidade ou em razão dela.
        - contra criança ou adolescente (a regra deve ser extraída do ECA), gestante, portador de deficiência ou maior de 60 anos (esquecendo do idoso de 60 anos de idade)
Cuidado: tais condições das vítimas devem ingressar no dolo do agente, para evitar responsabilidade penal objetiva.
        - mediante sequestro: abrangendo cárcere privado (que consiste em privação da liberdade com confinamento).
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Trata de efeito extrapenal (que não desaparece, nem mesmo por meio da abolitio criminis ou anistia) consistente na perda do cargo, função ou emprego público.
Vale lembrar que o art. 92 do Código Penal trata de efeito não automático da condenação. E na lei de tortura? Os efeitos do §5º são automáticos?
1ª corrente: o parágrafo único do art. 92 do CP deve ser observado também na Lei de Tortura, por analogia in bonam partem.
2ª corrente (prevalece, a exemplo do HC 92.247/STJ): trata-se de efeitos automáticos, aplicando-se o princípio da especialidade.
        Ademais, após cumprir a pena, o agente ficará impedido de ocupar cargo, função ou emprego pelo dobro de tempo da pena aplicada.
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

O dispositivo trata da inafiançabilidade e da proibição de graça ou anistia.
        Inafiançabilidade e liberdade provisória (questão controvertida dentro do STF):
1ª corrente: a proibição da liberdade provisória nos processos por tortura está implícita na inafiançabilidade (corrente defendida pela Min. Ellen Grace, hoje aposentada).
2ª corrente: cabe liberdade provisória para tortura. Quem deve decidir se o benefício é possível ou não é o magistrado, na análise do caso concreto, e não o legislador, que analisa somente a gravidade em abstrato (corrente defendida por Celso de Mello).

Graça ou anistia:
CF/88 – proíbe graça e anistia;
Lei 8072/90 proíbe graça, anistia e indulto;
Lei 9455/07 proíbe graça e anistia;
        1ª corrente: A lei 9.455/07 revogou tacitamente a proibição de indulto na lei 8072/90.
2ª corrente (STF e Nucci): A proibição de indulto também está presente da Lei 9455/97, eis que implícita na vedação da graça (em sentido amplo).
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

Art. 1ª, incisos I e II e §1º
Art. 2º
Regime inicial fechado
Regime inicial aberto ou semiaberto

Vale observar que, de 1997 até 2007, a Lei 9072/90 trazia regime integralmente fechado para crimes hediondos e equiparados, proibindo a progressão.
No entanto, a lei 9455/97 fazia menção a regime inicial fechado, permitindo a progressão com 1/6, para o crime de tortura, que é equiparado a hediondo, prevalecendo, à época, o entendimento de que não se estendia a norma aos demais crimes previstos na lei 8072/90.
Nesse sentido o teor da súmula 698 do STF, que hoje perdeu o sentido: não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura (princípio da especialidade)
A lei 11.464/07, então, trouxe possibilidade de progressão, mas com 2/5 (primário) ou 3/5 (reincidente).
Pergunta: as frações trazidas pela 11464/07 aplicam-se aos crimes de tortura? Sim. Pode-se dizer que a referida lei alterou a 9455/97, tornando mais gravosa a progressão de regime.
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

O dispositivo trata da extraterritorialidade.
Art. 7º CP
Art. 2º da Lei de Tortura
Inciso I – extraterritorialidade incondicionada
Inciso II, §3º - extraterritorialidade condicionada (crime contra brasileiro ou agente em jurisdição brasileira)
Extraterritorialidade incondicionada.

Tortura praticada contra brasileiro no exterior: análise da aplicação da lei penal no espaço e da competência
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Imagine a seguinte situação adaptada:
Dois brasileiros estavam fazendo pesca esportiva no Uruguai quando foram abordados, presos e torturados por policiais uruguaios.
Após serem libertados, voltaram ao Brasil e noticiaram o caso às autoridades brasileiras.

Pode ser aplicada a lei brasileira na presente situação?
A Justiça brasileira será competente para apurar o crime?
Trata-se de hipótese de extraterritorialidade condicionada ou incondicionada?
Qual é o fundamento legal no Código Penal?

SIM.

A lei penal brasileira pode ser aplicada ao caso.

Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada.

O fundamento legal não está no Código Penal, mas sim no art. 2º da Lei n.°9.455⁄97 (Lei de Tortura), que é uma previsão específica. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

Extraterritorialidade
Extraterritorialidade significa a aplicação da lei brasileira a fatos que ocorreram fora do território nacional, ou seja, no exterior. Daí vem o nome extraterritorialidade (extra = fora).

• Em alguns casos, a lei diz que, se determinado tipo de crime acontecer no exterior, a lei brasileira irá ser aplicada sem exigir nenhuma outra condição. A isso chamamos de extraterritorialidade incondicionada. Ex: art. 7º, I, do CP.

• Em outros casos, a lei diz que, determinado tipo de crime acontecer no exterior, a lei brasileira irá ser aplicada, exigindo-se, no entanto, o cumprimento de certas condições. É o que se denomina de extraterritorialidade condicionada. Ex: art. 7º, II, do CP.

Normalmente quando se fala extraterritorialidade lembra-se apenas do art. 7º do CP. No entanto, como vimos acima, a Lei de Tortura traz importantíssima previsão de extraterritorialidade.

Extraterritorialidade na Lei de Tortura
O art. 2º da Lei de Tortura traz duas hipóteses de extraterritorialidade:

1ª hipótese: Se o crime de tortura tiver sido cometido contra a vítima brasileira.
Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada.
Sendo a vítima brasileira, pode ser aplicada a lei brasileira ao caso.

2ª hipótese: Se o agente que praticou a tortura estiver em local sob jurisdição brasileira.
Aqui há uma polêmica:
Para alguns, trata-se de extraterritorialidade incondicionada. É o caso de Nucci e Habib.
Para outros, consiste em extraterritorialidade condicionada. É a posição de Marcelo Azeredo:

“Entendemos que se trata de extraterritorialidade condicionada. A condição não está prevista na lei especial nem no Código Penal, mas em duas convenções sobre a tortura: Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (art. 12) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (art. 5º). Os dispositivos citados condicionam que a lei será aplicada caso não haja extradição. Ou seja, se for caso de extradição, não incidirá a lei do país em que o agente se encontrar.” (AZEREDO, Marcelo André. Direito Penal. Parte Geral. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 122).

Voltando ao nosso exemplo. Como as vítimas eram brasileiras, trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada. Logo, a Justiça brasileira poderá apurar o fato. De quem será a competência para julgar o crime: Justiça Estadual ou Federal?

Justiça ESTADUAL.
O fato de o crime de tortura, praticado contra brasileiros, ter ocorrido no exterior não torna, por si só, a Justiça Federal competente para processar e julgar os agentes estrangeiros.

O crime de tortura praticado em território estrangeiro contra brasileiros não se subsume, em regra, a nenhuma das hipóteses de competência da Justiça Federal previstas nos incisos IV, V e V-A do art. 109 da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

Não se enquadra no inciso IV considerando que não se tem dano direto a bens ou serviços da União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

Não é caso do inciso V porque, apesar de a tortura ser um crime previsto em tratados internacionais, na situação em tela, o delito foi integralmente praticado em território estrangeiro. Não se trata de crime à distância.

Por fim, o deslocamento de competência para a jurisdição federal de crimes com violação a direitos humanos exige provocação e hipóteses extremadas e taxativas, nos termos do art. 109, V-A e § 5º.

Logo, a competência é da Justiça Estadual.
Uma última pergunta: qual é a competência territorial da Justiça Estadual no caso? Em outras palavras, qual comarca será competente para julgar o crime?
Justiça do Distrito Federal (Vara Criminal de Brasília), nos termos do art. 88 do CPP:
Art. 88.  No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.



FONTES: DIREITO PROCESSUAL PENAL RENATO BRASILEIRO
DIREITO PROCESSUAL PENAL NESTOR TÁVOR E ROSMAR RODRIGUES
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL JÚLIO FABRINI MIRABETE
E WWW.DIZERODIREITO.COM.BR

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