sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Uma breve oração

Ai pessoal, para quem gosta de buscar a Deus, esta foi feita a muito tempo, antes do ateísmo me pegar, mas achei tão bacana que resolvi postar.
UMA BREVE ORAÇÃO

Hoje sou parte de ti pai
Minha alma anseia pela tua paz
Embora fuja e esqueça da tua presença
Meu coração esta preso ao senhor livremente
Hoje quero enxugar minhas lágrimas
Em teu colo apaziguador
Gotas de alegrias e tristezas
Que eu compartilho contigo
Hoje eu quero somente agradecer
Pelas lides diárias da vida
Pois tudo faz parte do meu aprendizado
Cresço com as dificuldades
E quando estas se fazem duras demais
Volto ao teu lar, ao teu seio.
Tal qual um rebento, que há muito não regressa
Hoje compreendi que erro e erro muito
Não quero ensinar nada a ninguém só compartilhar
Hoje quero mostrar-lhe que não me esqueci de ti
Seja nas jornadas de trabalho ou no cotidiano
Mesmo que seja por segundos, penso firme em você
Mas quando for necessário pai, coloque obstáculos para que eu novamente compreenda
O quão pequeno sou diante de ti e novamente volte ao senhor
Hoje meu coração se abre
As preocupações fogem
O orgulho se desfaz
Hoje sou simplesmente Eu
Deixo de ser a fantasia
Retiro as defesas, a carapaça a qual penso que me protege
Sou então a criança o adulto
Sentimento puro, essência de Deus
Pois hoje mais do que ontem e menos que amanha sou parte de ti



ALLAN FRANCIS, Conselheiro Lafaiete, 09 de janeiro de 2002.

Uma breve oração

Ai pessoal, para quem gosta de buscar a Deus, esta foi feita a muito tempo, antes do ateísmo me pegar, mas achei tão bacana que resolvi postar.
UMA BREVE ORAÇÃO

Hoje sou parte de ti pai
Minha alma anseia pela tua paz
Embora fuja e esqueça da tua presença
Meu coração esta preso ao senhor livremente
Hoje quero enxugar minhas lágrimas
Em teu colo apaziguador
Gotas de alegrias e tristezas
Que eu compartilho contigo
Hoje eu quero somente agradecer
Pelas lides diárias da vida
Pois tudo faz parte do meu aprendizado
Cresço com as dificuldades
E quando estas se fazem duras demais
Volto ao teu lar, ao teu seio.
Tal qual um rebento, que há muito não regressa
Hoje compreendi que erro e erro muito
Não quero ensinar nada a ninguém só compartilhar
Hoje quero mostrar-lhe que não me esqueci de ti
Seja nas jornadas de trabalho ou no cotidiano
Mesmo que seja por segundos, penso firme em você
Mas quando for necessário pai, coloque obstáculos para que eu novamente compreenda
O quão pequeno sou diante de ti e novamente volte ao senhor
Hoje meu coração se abre
As preocupações fogem
O orgulho se desfaz
Hoje sou simplesmente Eu
Deixo de ser a fantasia
Retiro as defesas, a carapaça a qual penso que me protege
Sou então a criança o adulto
Sentimento puro, essência de Deus
Pois hoje mais do que ontem e menos que amanha sou parte de ti



ALLAN FRANCIS, Conselheiro Lafaiete, 09 de janeiro de 2002.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

ESQUECI DE DIZER ESTES POEMAS FIZ COM 19 ANOS. ENTÃO AINDA ESTÃO MEIO RUINS, MAS ACHEI UMA BOA POSTAR.

Soneto a desilusão com os homens

Soneto a desilusão com os homens





A angustia que me consome
Fruto da injustiça dos homens
Prende minha respiração
Inquieta o coração

Abrir os olhos de muitos
Com a verdade de poucos
Trazer um mundo celeste
Para almas terrestres

Não vejo solução
E a tristeza só é banida
No seio daqueles que amo

A espada cai ao chão
As lágrimas preenchem a desilusão

E deles eu desisto

POEMA


Pessoal para muita gente foi uma surpresa, quando disse que ia publicar, um livro. Como assim, você escreve? Não sabia. Então para quem não sabia vou postar alguns poemas e  contos meus ao longo da semana, até a publicação do livro ok


Súplicas

Os lençóis estão desfeitos
O aroma do vinho ainda preenche o quarto
O gosto dos teus lábios me atiça a alma
No fundo uma canção completa o quadro
Me confundo em você
E os teus suspiros me motivam a seguir
A rosa é tocada levemente
Em cada ponto há desejo
Expressão nítida da nossa paixão
O agora é eterno
O ontem se foi assim como qualquer outro pensamento
Teu corpo clama por mim com vivacidade
Difícil recusar os teus carinhos
Mas  desejo-os em cada toque
Teu ventre onde um dia despejei lágrimas
Hoje é alvo de beijos e súplicas
No meio do prazer mutuo me perco me encontro
Deixo de existir, perdendo a noção de mim, de ti
Minha alma volta ao corpo em cada instante
Não existimos, pois agora somos
Meu desejo e ímpeto refreados apenas pelo limite dos nossos corpos
Que juntos são infinitos
Duas almas
Dois corpos
Suas costas macias são um planície a ser conquistada
Teus seios pontas do paraíso
Mistificam os mistérios que são parte de ti
E num estado de paz o universo se encontra em nós
Quando o resultado esperado de tanto desejo
Se produz  semente em seiva,
Percorrendo como um rio as tuas  portas
Enfim nos deitamos abraçados
Apenas observando um ao outro
O silêncio é a paz
Fruto da guerra que se travará
Onde nenhum combatente saiu ferido
Duas almas
Dois corpos
Uma só felicidade

Allan Francis da Costa Salgado

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 4
TALLIS E ITZANAMI


           
            Em breve seu irmão Tallis iria buscá-la, mas Itzanami ainda não se sentia preparada, tinha medo. As palavras dele ainda martelavam em sua mente – o sacrifício de retenção é libertador – mas ele não disse que é profundamente triste.
            Suas mãos tremiam, seu estômago doía como se agulhadas o atingissem sucessivamente, mas o pior eram as lágrimas. Não estava pronta, não para o que viria. Sabia que as pessoas não iriam ver seu rosto inchado, talvez este fosse o motivo de todas as mulheres usarem as máscaras brancas. Mas isto não importava, o que importava era sua irmã.
            Houve uma leve batida na porta. Talvez seja Tallis. Não, Tallis não bateria, pedi que ninguém mais me incomodasse. Jejum – que bela desculpa! Por que todos aceitam com naturalidade e eu não? Sou fraca ou sou a única que pensa? Todos olham para mim esperando que eu seja ao menos uma sombra de minha irmã, mas Nicte Ha está acima de todos, até de Tallis.
            A porta voltou a bater. Queria gritar para que se afastassem. Deve ser meu mentor. É melhor não dizer nada e atender, tenho que manter as aparências. Abriu a porta e lá estava ela, soberana, imponente, decidida e bela, tão bela quanto a natureza permitia que um ser humano fosse. Seus cabelos negros, descendo por todo o corpo tocando a pele morena e seu longo vestido negro – o símbolo dos viajantes a longa estrada se destacavam em branco.
            – Vai ficar apenas olhando? – Sorriu ao perguntar.
Quando viu sua irmã Nicte Ha e a serenidade que ela exalava, ficou com vergonha de suas emoções, afinal era ela que seguiria para a longa viagem, era ela que se encontraria novamente com a Deusa. Se seu sacrifício fosse grandioso, não haveria necessidade de nascer novamente, ficaria ao lado da Deusa Sedna até os últimos dias. Nicte Há, a escolhida, a oferenda suprema. Lembrou-se de escutar uma senhora um dia dizer a seus amigos:
– Itzanami nunca será escolhida, nunca se sacrificará, ela é manca de nascença.
Apenas aqueles sem chagas ou defeitos podiam estar entre os escolhidos, um a cada sete anos, desde os primeiros tempos e para sempre, era o que os viajantes pregavam. As crianças olhavam para sua perna, como se a deusa negra tivesse lhe tocado pessoalmente, seus sorrisos a incomodavam, mas não os odiava. Achava patética a ideia de morrer pelos deuses. Agora sua irmã estava ali desejando fazer o que ela repudiava.
Nicte Ha percebeu sua dor e a abraçou.
– Não fique triste Nami, não há motivo para isso. Encontraremo-nos novamente em outra vida, disso tenho certeza. – Itzanami sabia que quando a irmã lhe chamava de Nami, era a forma carinhosa que escolhia para lhe chamar a atenção, ou pior, quando tinha dó dela.
– É que eu não queria perdê-la. Não queria que fosse você a escolhida, queria passar minha vida ao seu lado.
– Eu também queria Nami, mas você sabe que eu sempre me preparei para isso e agora é escolha dos deuses. Eu estou pronta e você também deveria estar. Preciso de você lá, preciso que seja forte por mim. Quero que você sinta minha graça dissipar-se pelas águas do grande rio e meu corpo seguir até as grandes corredeiras. Além disso, preciso de alguém para cuidar de Tallis, já que não temos mais ninguém.

– Tallis não precisa de cuidados, ele é um caçador.
– Não falo deste tipo de cuidado.
Ainda abraçada, a irmã Itzanami enxugou suas lágrimas e tentou sorrir sem que as emoções a inundassem novamente.
– Agora Nami, deixe-me ver suas roupas.  – Quanto às roupas estava tudo perfeito, ela sabia. As oferendas vestiam-se de negro, representavam o outro lado da deusa, a destruição, mas a destruição necessária para a criação. Aqueles que participavam do ritual vestiam-se de azul, a cor da serenidade, e as pessoas próximas ao sacrifício, como ela, vestiam-se de branco, a cor da entrega. Mostrou as roupas brancas e a máscara de porcelana.
– Vista-as para mim.
Itzanami fez de bom grado, lentamente, pegando uma, depois outra. Desajeitava-se e deixava uma ou outra cair, ganhando segundos preciosos, como se aquela permuta fosse afastar o inadiável.
– Está linda. Será a última roupa que irei ver você vestindo.
Lágrimas desceram e ela virou o rosto para o lado, até mesmo quando a irmã beijou sua testa e sorriu, ignorando sua dor. O gosto salgado deixava pegadas em sua boca.
– É uma pena que você esteja entre outras pessoas e talvez não a reconheça, mas tome isto – retirou um lenço branco e prendeu os cabelos castanhos da irmã formando um coque alto.
– Pronto. Agora saberei que é você, Nami.
Itzanami novamente a abraçou e não temeu ser tola ao dizer:
– Não vá irmã! Deixe este sacrifício para outra pessoa. Eu te amo muito, não quero que você morra. Isso é apenas uma idiotice.
Nicte Ha não perdeu a serenidade, mas seu tom de voz foi mais incisivo e firme.
– Nami, eu escolhi isto. Entre nós, os viajantes, somente aqueles que têm a fé inabalável podem um dia estar juntos da grande deusa. Você deveria ter mais fé. O sacrifício de retenção é a chance que eu tenho de ir para uma próxima vida melhor ou, quem sabe, estar nos braços da grande deusa Sedna. Você sabe muito bem que nada nesse mundo morre em definitivo. Apenas há um ciclo, nascimento e morte são partes naturais dele. Sei que se estivesse no seu lugar sentiria sua ausência, mas respeitaria sua escolha e seria feliz por você, e é isto que desejo. Você e Tallis são as coisas mais preciosas que deixo para trás, mas tenho que seguir o caminho que escolhi.
Argumentos não vão calar o coração dela – pensou. – Está bem, Nicte Há. Não chorarei mais. Vou tentar entender.
– Isso, minha linda Nami. E aprenda com esta experiência, honre-me com sua felicidade. Agora tenho que ir me preparar.
– Só mais uma coisa, Nicte Ha. – Ela parou, esperando ouvir outra tolice de Nami, mas se condoeu quando a pergunta veio:
– Vai doer? – Nicte Ha esforçou-se para sorrir. Aquela encenação era um sol pela manhã – Itzanami tentou capturar todos os detalhes daquele momento, mas era a visão que teria mais tarde que carregaria em todos os seus sonhos, por todos os seus anos. Não sabia disso, mas logo saberia.
– O grande mestre Linus é habilidoso com a adaga, não deixará que doa mais que o necessário. Mas é preciso um pouco de dor, para que eu possa estar consciente e sentir minha graça partindo para outra vida.
Quando Nicte Ha ia sair, a porta se abriu e um jovem grande, forte, com cabelos curtos, lisos e negros como os duros carvões produzidos em Tergamônia entrou.
– Nicte Ha, você ainda está aqui?
– Vim ver nossa irmã e você antes da cerimônia. 
– Que bom, queria despedir-me de você, não sabia se teria autorização para fazer isso mais tarde.
– Tallis, você é meu escudo, meu norte, e sei que seguirá defendendo os viajantes. Seu trabalho é mais sacrificante que mil sacrifícios de retenção.
Como ser um caçador poderia ser pior que ser sacrificado? Está certo que a vida dele é de privações e treinamento, ele faz coisas que os outros viajantes não poderiam jamais fazer, sob pena de serem excomungados, mas mesmo assim, nada se compara ao que Nicte Ha fará. Talvez eu nunca venha a ser uma viajante. Os dois, lado a lado, parecem se entender tão bem. Sou um filhote albino perto deles.
Tallis olhou para ela com a mesma expressão da irmã
– Abra o coração para a profundidade de nossa fé, e então irá amadurecer e entender.
Se responder serei censurada. Melhor não.
 O irmão voltou-se para a mais velha e disse:
– Nicte, eu estarei lá ao seu lado. Linus me disse que eu conduzirei você até a barca e a entregarei para ele.
– Que bom, Tallis. Isso é uma grande honra. São raros os caçadores que são honrados assim, e para mim será muito importante que me guie.
Nicte Ha abraçou forte o irmão e seus lábios tocaram levemente os lábios dele. Enquanto o abraçava, sussurrou em seu ouvido:
– Cuide dela.
– Vou cuidar – ele respondeu.
– Agora tenho que ir, e espero que todos se preparem.
Nicte Ha saiu pela porta e Itzanami não conseguia dizer mais nada. Era como se a saída dela houvesse furtado suas palavras, mas havia levado algo mais profundo, era aquela magnitude de presença. Deixou um vácuo, o vazio pressionou os dois na sala e Tallis, olhando ansioso para a porta, apenas disse:
– Temos que nos apressar.

            Itzanami só havia visto um sacrifício de retenção em toda sua vida. Embora ele somente ocorresse de sete em sete anos, houve um três anos atrás. Ela não sabia bem o porquê, ninguém falava. Um jovem de vinte e poucos anos, vindo de outra aldeia, fora sacrificado.
Seus olhos percorreram todo o campo, e somente o que via era beleza – lamparinas, lampiões e candeias iluminavam o local, a magia pulava de um para o outro como uma serpente dando o bote. Havia música de harpa, pessoas cantavam cânticos antigos. As luzes mesclavam cores entre branco, azul, amarelo e laranja. Muitas flores tinham um perfume que tocava a todos. Do lado direito do campo, estava a tribuna dos anciões – todos de azul, alguns com máscaras, outros não. Do lado esquerdo, a tribuna dos amados, aqueles que tinham um vínculo afetivo com o sacrifício – estavam todos com máscara de cerâmica. No círculo central estava Tallis, mais à frente o caminho que levaria até a balsa, onde Nicte Ha seria levada até o grande rio para ser sacrificada. Lá na balsa ela faria a oração da oferenda, concentraria suas lembranças, sonhos e desejos em uma magia pura e olharia nos olhos de Linus. Ele alcançaria seu coração com a adaga e se o sacrifício fosse grandioso, uma áurea branca sairia dela e seu corpo seria deitado no rio, onde a água purificaria o resto. Sua alma viajaria através da água para uma outra vida ou para os braços da deusa. Isso era ensinado entre os viajantes.
Como saber se isso é verdade? Só resta acreditar. Nicte Ha e Tallis não têm dúvidas, mas eu tenho, e minhas dúvidas chegam a envergonhá-los.
A festa em si era linda. A única coisa que tirava a beleza do espetáculo era o tempo nublado, cheio de nuvens baixas e pesadas. Nenhuma estrela, o resto parecia um festival de colheita. Mas era sua irmã a oferenda – pensou.
Itzanami caminhou para a tribuna dos amados. Sua irmã chegou minutos depois, e ela não pôde deixar de fazer outra comparação. A diferença entre nós é colossal! Nicte Ha é cheia de desenvoltura, beleza e um carisma magnético que atrai a todos. Realmente não há ninguém melhor em toda sua cidade para o sacrifício, nem mesmo em toda Ifíanor. Eu sou a manca.
Tudo começou naturalmente. Antes do sacrifício, a irmã tinha que satisfazer alguns requisitos. O primeiro era a dança – somente ela dançaria sob o ritmo forte do coro de várias vozes, que anunciavam a sua chegada. As harpas silenciaram-se e ela postou-se de joelhos para o centro como se pedisse autorização. Tallis olhou-a e balançou a cabeça. Ela estava autorizada a adentrar o centro, não havia mais apresentações para ninguém.
Nicte Ha apenas circulava Tallis, que estava com sua armadura branca completa, até mesmo o escudo dos caçadores. As vozes também se calaram e Nicte gritou para o alto:
– Sou Nicte Ha, sem raízes na alma, viajante entre as vidas, e hoje me despedirei da minha casca e desejo que a Grande Deusa me receba em seu ventre. Eu sou uma viajante.
As vozes gritaram três vezes o nome de Nicte Ha e três vezes a frase “Nós somos viajantes”.
Logo começou uma canção triste em tom baixo, que aos poucos ia aumentando, enquanto Nicte Ha dançava. Itzanami chorava compulsivamente. Não queria olhar, desejava impedir o sacrifício.
Tallis lançou duas pequenas bolas de fogo na irmã, que as manipulava no ar. O fogo no sacrifício era o rompimento com o medo. Ela usava as chamas das mais variadas formas – circulavam-na, desciam e subiam, ora como bolas, ora como línguas de fogo, e seu corpo dançava entre elas. Era sensual ver a atuação dela. O coro de vozes ecoava mais alto, até que o segundo momento do sacrifício chegou – sua irmã queimou suas roupas, despojando-se das últimas coisas deste mundo. Nicte Ha era perfeita, não havia nenhuma marca em seu corpo torneado e sinuoso, uma armadilha para qualquer homem.
Não havia vergonha nos olhos da irmã. Ela apenas desfilou nua diante da tribuna dos anciões e dos amados, até que seu irmão trouxe a mortalha negra e a cobriu. Agora ele deveria levá-la para o caminho. Os olhos das duas se cruzaram e Nicte Ha abriu um sorriso para irmã e enviou-lhe um beijo. Nami, com muito esforço, retribuiu.
Então Nicte Ha pronunciou algumas palavras e uma pequena luz saiu de seus olhos. Era o feitiço de retenção – ele determinava se a força da vontade da pessoa para o sacrifício era verdadeira e suficiente, e se olhos dela brilhassem como fogo, igual aos de Nicte Ha neste instante, então ela estava preparada, e suas ações agora eram voltadas apenas para o sacrifício. Era como uma magia poderosa de auto sugestão.
Todos observavam tão atentos, que muitos não escutaram uma risada que ecoou por todo o campo vinda do alto. Para se fazer notar, a risada cavernosa ficou mais alta e incisiva. Era como se mil homens rissem ao mesmo tempo.
Então tudo mudou.
As pessoas pararam, incrédulas. Olhavam umas para as outras, tentando descobrir de onde vinha aquela risada que ecoava. A maioria da Tribuna se mexeu nervosa, Nami retirou sua máscara, tentando achar o ser que emitia aquele som, mas foi Tallis quem primeiro identificou a origem. Vinha acima das nuvens. Ele gritou:
– Corram, é um dragão.                                                    
Uma enorme labareda de fogo, como uma cascata desceu dos céus e atingiu Linus, que estava próximo à barca esperando os dois. Ele foi queimado no mesmo instante. Tallis gritou para que Nicte Ha corresse, mas ela parecia ainda estar em transe, sob efeito da magia que vinha dos cânticos e sua própria magia de retenção. Ele havia se esquecido deste detalhe. Outra labareda de fogo atingiu dois anciões que corriam e então Itzanami pôde ver o ser mais majestoso e sombrio que sua imaginação poderia conceber – um dragão negro gigantesco, com quase vinte metros de altura, olhos amedrontadores, grandes garras e o que mais a incomodou, um sorriso pérfido e venenoso. O dragão queimou mais algumas pessoas.
Tallis fez seu escudo brilhar com magia – criou uma esfera transparente e reluzente ao redor de sua armadura e escudo e arremessou sua espada em direção ao dragão. A magia transformou a espada em um lança, mas o dragão a rechaçou e urrou para ele, despejando outra labareda de fogo. O escudo brilhou ainda mais. O ataque do dragão não lhe afetou, a espada voltou para suas mãos e Tallis agora corria em direção à fera, queria acertá-la. Ele foi treinado para isso. Caçar, caçar qualquer coisa, qualquer ser. Os caçadores matavam e por isso não eram queridos entre os viajantes, mas eram o seu braço direito, seu escudo e sua fortaleza em tempos difíceis. Queria ter o poder de Tallis, mas sou fraca, não consigo nem correr. A bravura dele é o oposto do que sinto, mas mesmo assim é fascinante observá-lo.
O dragão ameaçou alçar voo, mas recuou, pois a espada de Tallis na forma de lança mais uma vez tentava atingi-lo e mais uma vez falhava. A criatura arredou as duas patas traseiras para trás e prostrou-se para frente. Queimaria tudo à sua frente, inclusive o garoto que corria em sua direção. Itzanami duvidava que a magia em torno do escudo aguentaria o fogo desta vez, mas ela resistiu. Seu irmão saltou sobre a fera a fim de lhe crava a lança, mas com um movimento rápido de sua calda, ele arremessou Tallis longe, e desta vez alçou voo.
Itzanami desfez-se de sua paralisia e correu em direção ao irmão para auxiliá-lo. Sabia magias de cura. A criatura agora não era visível, estava em meio às nuvens. Quando chegou até Tallis, este já estava restabelecido, sua magia de proteção o ajudou.
– Nami, o que faz aqui? Onde está o dragão?
– Voou para as nuvens, deve ter fugido.
– Ele não fugiu, dragões não gostam de ser desafiados. Leve os outros para longe daqui e busque os outros caçadores.
Tallis levantou-se, preparou mais uma vez seu escudo e aguardou. Itzanami gesticulou para os poucos que ali estavam para correrem para as vilas e chamarem os outros caçadores. Procurou sua irmã até que a viu indo em direção à balsa. Era o transe do feitiço de retenção. Teria que ir até ela, mas novamente ouviu a mesma risada. O tom maléfico com que ela foi pronunciada causou enjoo em Itzanami, mas o que ela viu a marcou por todos os dias em que ainda viveria. O grande dragão desceu e pousou à frente da irmã e a balsa ficou atrás dele. A fera olhou para Tallis, sorriu e incinerou Nicte Ha. Quando ele acabou, somente cinzas sobraram e espalharam-se rapidamente ao vento com o bater de suas asas. Ele foi embora deixando ecoar aquela gargalhada que causaria pesadelos em Itzanami.


CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 3
LEON E SARAH



            Abak era a segunda maior cidade de Damatia, talvez a maior cidade portuária de toda Ifíanor. Situava-se no estreito de Mardoll, sua localização fazia com que se tornasse no norte o ponto de entrada para Damatia. Nenhum navio entrava no continente sem passar por Abak – os recifes próximos à costa impediam que qualquer embarcação atracasse no continente, restando como opções a passagem pelo estreito, ou contornar metade do continente. Mesmo assim o clima não aconselhava tal viagem.
            A cidade dividia-se em duas partes, a ala oeste e a ala leste, uma em cada lado do estreito, ambas conectadas pelo grande porto que se erguia por sobre toda a extensão de águas. Somente dois navios, no máximo, podiam entrar no estreito por vez, pois não havia largura suficiente para outros sem que se comprometesse a segurança. Seus comandantes deviam conhecer bem os caminhos do estreito de Mardoll, pois os recifes eram mortais com viajantes incautos.
            Qualquer tentativa de invasão ao porto era facilmente repelida – entre suas defesas havia canhões e pequenas embarcações explosivas, que se aproximavam dos invasores apenas para destruir e incendiar os cascos de seus navios, e um navio que tentasse entrar a força pelo estreito seria atacado pelo farol que servia de guia e defesa para o mesmo.
Após a cidade, nas áreas leste e oeste, havia os portos – quilômetros e mais quilômetros deles – e depois disso o continente. Do lado oeste dos portos ficavam as embarcações de defesa de Abak e do lado leste o comércio. Havia ainda o bairro dos tributantes, a região de comércio, o mirante, entre outros locais de destaque. A cidade crescia rapidamente de dentro para fora, expandindo sua periferia.
            Abak abrigava mais de duzentas mil pessoas. Todas as novidades de artesanato, ciências, armas e invenções que chegavam ou saiam do continente, passavam por lá. Ao norte da cidade havia um pequeno arquipélago e milhares de milhas à frente se estendia o continente de Pallas.
            Leon acordou cedo, gostava de caminhar por boa parte da ala oeste de Abak disfarçado como um cidadão comum – uma barba postiça, uma bengala, roupas maltrapilhas. Fazia parte de seu ofício entender a rotina das pessoas, observar e avaliar potenciais ameaças. Nada passava despercebido aos seus olhos atentos – não somente viam, eles percebiam quando tumultos estavam para ocorrer, quando reivindicações seriam organizadas, entre outros problemas cotidianos. Ele era o capitão da guarda de Abak, o segundo em comando na cidade. Somente o prefeito Sorog era superior a ele em ofício.
            Em suas caminhadas conversava com todos, até mesmo os mais indesejáveis, ou os responsáveis pelo mercado negro. Tudo funcionava porque havia ordem e leis, principalmente não escritas. Havia concessão a alguns, feita de forma controlada para que nada ganhasse dimensões alarmantes. Em sua mente, era o bem e o mal funcionando de forma organizada sob seu comando. Somente os poucos que entendem esta lógica permanecem tanto tempo no cargo, principalmente sendo o cargo eletivo e temporário – pensava.
            Existia uma função que se sobressaía às demais – a de avaliador-mor. durante a parte da manhã e no final da noite ele fazia parte do burocrático, porém vital, trabalho de avaliação dos navios que entravam no estreito. Qualquer embarcação que fosse, somente poderia entrar se tivesse sua autorização ou de algum outro avaliador. Era uma função tão importante, que somente poderia ocupá-la quem não tivesse vínculos afetivos com ninguém – não se podia ter mãe, pai, filhos, esposa e irmãos, pois a chance de serem sequestrados era grande, por um simples motivo.
            O avaliador sempre ia em uma embarcação de pequeno porte até o navio que o aguardava antes do estreito, adentrava a embarcação e a vistoriava em todos os compartimentos, a fim de verificar se trazia ou não exércitos inimigos ou qualquer outra coisa que pudesse fazer mal a Abak ou ao país. Depois voltava e sozinho passava pelo olho da ilusão – era um círculo mágico no chão do andar de baixo da intendência dos avaliadores. Ele verificava se a pessoa ali estava sendo vítima de alguma magia ou se realmente era a pessoa que foi até as embarcações.
            Existiam alguns magos capazes de mudar sua aparência externa para se parecem com outras pessoas e assim permitir a entrada de tropas inimigas, mas o olho da ilusão desfazia qualquer magia, até mesmo as de controle mental. Quando o avaliador acabava de passar pelo olho, ele então sinalizava para o mestre do farol com uma luz amarela, que significava passagem permitida, ou uma luz vermelha, que indicava passagem negada. O grande farol do lado leste sinalizava para a embarcação, que aguardava a luz dada pelo avaliador para saber se ela poderia ou não entrar. Se a decisão fosse contestada, a embarcação deveria esperar mais um dia e aguardar outro avaliador, mas elas nunca esperavam, pois seus comandantes tinham medo de serem abatidos.
            Tudo era feito através de magia. Ninguém, a não ser os operadores do farol, conseguia ver a luz escolhida. Além disso, o próprio farol era um extensão do olho, ele também desfazia qualquer magia utilizada que chegasse a alguns quilômetros da entrada do estreito, além de ter outras formas de defesa.
            Leon observava a todos no grande mercado. Em breve deveria ir para a intendência, mas preferiu ficar mais um pouco e escutar as notícias vindas dos outros continentes. Escutou sobre pequenas crises, falta de sal em alguns lugares, grandes colheitas de trigo sendo vendidas por preços baixos, rumores de desavenças entre humanos e elfos e entre pessoas comuns e magos, mas nada que fugisse à rotina dos mercadores. Muitos até estavam empolgados com a possibilidade de grandes vendas na capital de Vescra, a cidade de Vanir. O país estava crescendo novamente, e as rotas de mercado voltavam às suas portas.
            Um assunto era recorrente – dizia respeito a uma invenção, algo que se movia sobre pequenas estradas de ferro sem magia, apenas queimando carvão, e que tinha um quilômetro de comprimento. Diziam que revolucionaria os mercados do país, pois levaria grandes cargas rapidamente por todo continente. Chamavam-no de trem ou locomotiva, mas Leon não acreditava nestas coisas. Já ouvira falar do Rei de Vescra, diziam que tinha ambição e grande visão, mas investir recursos numa ideia assim parece algo inconcebível que beira a loucura, exceto por um fato – parece que quem está arquitetando esta coisa é Gael, e ele não pode ser subestimado. Já fez maravilhas por Damatia e pela capital Damas, mas esta não é uma preocupação minha – pensou.
            Evitou a praça central e caminhou para o norte da cidade. Precisava passar em mais um lugar antes de chegar à intendência – havia uma pessoa a ser visitada, alguém que não podia ser visto em sua companhia. Desceu algumas escadas e entrou em um beco, abriu uma porta ao fundo e tocou três vezes uma outra porta. Um homem gordo de barba mal feita o atendeu, olhou para ele e disse – O senhor já é aguardado, ela o espera na biblioteca.
            A biblioteca possuía dois andares, com estantes e mais estantes de livros. Muito bem iluminada, era um contraste com a pequena sala que a precedia. Havia mesas por todo o centro, mas apenas uma cadeira ocupada. Não era um local frequentado pelo público em geral, aliás, poucos sabiam da existência do lugar.
            A mulher não demonstrou que notou sua presença e continuou a ler atentamente suas páginas. Ele não interrompeu sua leitura. Ela era uma das poucas pessoas em Abak, talvez a única, que ele podia afirmar que tinha um misto de respeito com temor.
            Marisa leu mais um pouco, encostou o livro, observou-o, e então puxou uma cadeira ao seu lado e rompeu aquele silêncio incomodo.
            – Sente-se Leon, mas antes pegue uma bebida para nós.
            Ele não recusou. Pegou uma garrafa em uma mesa próxima, serviu dois copos e sentou-se ao lado dela.
            Tudo em Marisa eram insinuação e armadilha – suas roupas, seu cabelo e principalmente seus olhos negros – mas quando falava, era como se promessas fossem cumpridas. Sua voz era pausada, doce e havia comando.
            – Em que posso lhe ser útil, Leon?
            – Seu último carregamento. – Ele pronunciou calmamente as palavras. Não queria causar tensão e não tinha medo, mas quando se tratava de Marisa toda cautela era necessária.
            – Então é isso! Algumas garrafas a mais de vinho e hidromel. Não posso contabilizar tudo que trago, os impostos são altos e não fica margem para lucro. Até os tributantes sabem disso.
            Ele sorriu e disse:
            – Todos sabemos que sempre omite seus números, mas não estou falando de bebidas, estou falando da outra carga.
            – Bom, aquilo... – ela riu em resposta – aquilo foi só um presentinho para alguns nobres.
            – Marisa, você sabe como as regras são rígidas a respeito de escravos. Muitas pessoas são contra. Existem murmúrios vindos de Sarim e Vescra sobre abolição, as pessoas estão ficando intolerantes.
            – Eu sei, mas não vai se repetir. É difícil agradar a todos. – Ela levantou-se, bebeu um último gole e soltou seus longos cabelos negros. Caminhou para próximo de Leon, deslizou seus dedos pelos ombros dele, percorrendo seus braços fortes e chegando ao peito, e sussurrou em seu ouvido. Ele tremeu ligeiramente.
            – Deixe-me compensá-lo por este pequeno deslize.  – O cheiro de seu perfume com a proximidade de seu corpo testavam o autocontrole de Leon, que se preocupou em sorver mais um gole.
            – Leon, vou contar-lhe um segredo e você avalia se meu pequeno deslize foi perdoado.
            – Prossiga.
            A mulher o abraçou mais forte e sentou-se em seu colo. A pele morena de seu rosto o enlouquecia, desejava transar com ela ali mesmo, mas precisava saber o que Marisa sabia. Ela deslizou a mão para a calça do homem e sua língua entrou na orelha dele, tão insinuante como o restante de si. Foi por pouco, mas ele a deteve. Queria ouvi-la, não ser manipulado.
            – Prossiga – ele insistiu.
            – Dizem que uma cidade ao norte – uma dessas ilhas, talvez seja Sisam – foi atacada por orcs.
            – Os orcs foram quase extintos há mais de duzentos anos durante as guerras seculares. Os que sobraram foram exilados para Agonia, ou fugiram e vivem escondidos.
            – Você ainda acredita nestas histórias Leon.
Ele não soube precisar se ela perguntava ou afirmava.
            – Mas isto não é o que importa.
             – Então diga o que realmente importa.
            – Sussurram também que Sorog sabe disto e que está tramando algo grande, mas que você e sua popularidade são os únicos obstáculos. Ele pretende desmoralizá-lo na próxima eleição, para que possa colocar no seu cargo alguém que ele controle.
            – O que ele está tramando?
            – Ainda não sei, Leon, mas tem muito ouro envolvido. Dois baús carregados chegaram há duas noites na prefeitura. Ninguém sabe de onde veio ou para onde foi.
            Se a notícia tivesse vindo de qualquer outra pessoa, Leon teria dado pouca importância, pois sabia que pequenas tramas faziam parte da cidade. Mas Marisa não mentia nestes assuntos. Ao contrário, ela era confiável, dependia dele e ele dela. Foram criados juntos, órfãos, e passaram por dificuldades semelhantes, mas mesmo que seus caminhos fossem diferentes, havia confiança, e aquilo que foi dito era algo a se preocupar.
            Ele levantou, afastando-a. Ela pareceu não sentir a rejeição.
            – Depois continuamos este nosso encontro.
            – Assim espero. É perigoso deixar uma mulher como eu com tanto desejo no corpo, preciso ser recompensada.
            – Você será, mas tenho que ir.
            Quando ia sair pela porta, parou e disse a ela:
            – Marisa, você ainda me deve um favor.
            Um princípio de sorriso surgiu em seus lábios, mas desapareceu.
            – Não se preocupe Leon.

            O posto de subcomandante da guarda era de Sarah – cabelos castanhos bem presos, rosto arredondado e pele clara, corpo insinuante e um lindo sorriso, ela exalava inocência, mas era astuta, a melhor espiã que Leon já teve. As pessoas simplesmente confiavam em Sarah. Para Leon, que sempre teve como fraqueza as mulheres, ver Marisa e depois Sarah era um desafio, mas ele sabia que todo líder tinha que ter autocontrole e não deixar transparecer o desejo que lhe vinha ao corpo e à mente. Diferente de Marisa, Sarah era comprometimento e profissionalismo – não se aventurava, não tinha um comportamento inadequado. Ela cobiçava o posto de Leon e ele sabia disto, mas somente concorreria quando Leon cedesse à vaga. Ela o respeitava e admirava. Havia aprendido tudo o que sabia com ele, somente havia chegado ao seu cargo por causa dele.
            Depois de se trocar em casa e colocar o fardamento azul marinho da guarda de Abak, Leon agora se apresentava como o comandante da guarda. Rosto firme, – embora tivesse o cabelo bem aparado como um militar, a parte de cima apresentava cabelos lisos e rebeldes – já não era tão jovem, mas seu porte físico era superior à média das pessoas. Olhos castanhos rasgados, e dentes firmes e brancos, inspirava a todos seriedade e obediência.
            Sarah o esperava a porta.
            – Leon, Sorog está aí dentro o esperando.
Então as coisas acontecerão mais rápido do que o esperado – pensou.
            – Entre comigo, Sarah.
            Eles adentraram a intendência. O salão principal era grande e repleto de quadros de outros componentes da guarda que morreram como heróis ali em Abak ou em outro lugar. Dezenas de memorandos ou de folhetos com recompensas sobre foragidos dividiam as paredes. Havia um homem corcunda, aparentando uns sessenta anos, que demonstrava um certo interesse reservado, olhando tudo aquilo. Mas para Leon, ele estava apenas arrumando uma forma de passar o tempo.
Embora Sorog seja velho, é vaidoso e articulado apenas no falar – pensou.
            – Bom dia, senhor Leon.
            – Bom dia, senhor prefeito.
            – Não sabia que você era dado a atrasos, sua subcomandante já estava aqui bem antes do senhor. Logo ocupará seu cargo.
Então o jogo dele já começou.
            – Sarah é muito eficiente, por este motivo a promovi a subcomandante. Quanto a mim, não tenho horário para chegar. Meu trabalho não é só aqui, mas em toda a cidade. Zelo pela segurança de todos, assim como do senhor.
            Se Sorog ficou incomodado com a resposta, não demonstrou, mas continuou de costas para Leon, como se o ignorasse fisicamente.
            – Então, já que anda por toda a cidade, poderia me atualizar de assuntos novos que tanto prendem sua atenção.
            – Não há nada com o que o senhor deva se preocupar. O prefeito de nossa cidade tem assuntos mais importantes a cuidar do que meras conversas de mercadores. – Leon soube, no instante em que pronunciou as palavras, que tinha ido longe demais. A expressão no rosto de Sarah apenas confirmou isso.
            – Não acho, comandante Leon, que o senhor deve dizer o que eu devo ou não saber. Tudo que interessa a esta cidade me interessa diretamente e se o Senhor acha que não há nada de preocupante, ou é mais obtuso e relapso que eu imaginava ou é um desinformado, e qualquer um dos defeitos não é condizente com um comandante. – Ao dizer isso, Sorog olhou diretamente nos olhos de Leon para quantificar os efeitos das suas palavras. 
Então é a este ponto que ele queria chegar – pensou Leon.
            – Se o senhor está mencionando os boatos de um ataque a uma das vilas pertencentes ao nosso arquipélago... – Sorog não deixou ele terminar.
            – Até que não é obtuso nem relapso, Leon – Sorog fez uma pausa antes de continuar – você realmente só é desinformado.
Leon sentiu o baque, mas não demonstrou. É hora de recuar no jogo dele.
            – Enquanto dizem que orcs atacaram uma das vilas, continuo achando que é boato. Orcs, pelo que todos dizem, foram extintos.
            – Não sei se foram orcs, Leon. Ocorre que a ilha de Sisam foi atacada e quero que você vá até lá confirmar. Não podemos ficar aqui esperando um ataque também, de quem quer que seja.
            – Nossa cidade é bem protegida, mas levarei alguns homens para verificar a situação, senhor prefeito.
            – Quem sabe assim, Leon, você fica mais informado. Mas não se atrase muito. Agora tenho que ir, pois, como você mesmo disse, tenho assuntos importantes para resolver. – O homem caminhou vitorioso para a porta de entrada e seus passos confiantes o desarmaram perante as próximas palavras de Leon.
            – Despachar baús carregados de ouro realmente é um assunto importante, senhor Prefeito.
            Sorog tremeu as mãos, os braços e a boca. Metade do seu rosto paralisou, enquanto a outra parte tremia, e ele virou-se lentamente na direção de Leon, que viu olhos salpicando de raiva. Mas havia mais – havia ódio, que rapidamente passou e ele se refez na mesma velocidade com que teve o ataque de fúria.
            – Deve ter cuidado com as palavras e acusações, senhor Leon. Às vezes palavras como estas não são bem-vindas, mas como sou um homem complacente, ignorarei este comentário infundado.
            – Até que não estou tão desatualizado, senhor Prefeito. – Sorog não respondeu, apenas se virou e saiu pela porta. Sarah beliscou Leon quando o homem saiu.
            – O que pensa que está fazendo, Leon, comprando briga com o prefeito deste jeito?
            – Não se incomode com isto agora, Sarah. Preciso que peça a David que prepare uma fragata e uma corveta, mais quarenta homens, dois magos e um clérigo. Vamos para Sisam.
            – Sim, senhor. Mais alguma coisa?
            – Enquanto estivermos fora, nenhum navio entra em Abak.
– Mas, senhor, isso vai gerar muito caos e insatisfação.
            – Não se preocupe, Sarah. São ordens do prefeito. – Leon sorriu e Sarah evitou dizer mais alguma coisa enquanto saia.