DIREITO DAS SUCESSÕES MATERIAL COMPLETO
O
Direito Civil é o direito dos ricos. Tanto que mesmo no contrato de doação
existe um interesse econômico.
Dinheiro
tem uma importância grande na nossa vida, especialmente na velhice quando
estamos mais vulneráveis. Das crianças os pais cuidam, mas os velhos em geral
são um problema nas famílias, por isso é importante você estudar e trabalhar
para juntar dinheiro quando estiver idoso.
É
justamente desta arrecadação do patrimônio que cuida o Direito Civil. No
Direito das Obrigações estudamos que as pessoas se relacionam com outras
pessoas e celebram contratos em busca de conforto e lucro.
No
Direito Real estudamos que as pessoas se relacionam com as coisas, ocupando-as
para adquirir propriedade. A propriedade (ou domínio) é o principal Direito
Real. Pois bem, ao longo das décadas celebrando contratos e adquirindo
propriedade as pessoas formam um patrimônio, esse é o sentido da vida!
E
para onde vai esse patrimônio quando as pessoas morrem? Para seus sucessores. É da transmissão desse patrimônio que cuida
o Direito das Sucessões, assunto deste semestre.
Vocês
conhecem o princípio jurídico “mors omnia solvit” (a morte acaba com tudo)?
Pois bem, esse princípio se aplica ao Direito Eleitoral, Penal e de Família, de
modo que os direitos políticos, a punibilidade, o casamento e o poder familiar
se extinguem com a morte.
Já
no Direito das Sucessões é com a morte que tudo começa, pois a vida terminou,
mas o patrimônio do extinto subsiste e será transferido a seus herdeiros.
Conceito:
Direito das Sucessões é o ramo do Direito Civil cujas normas regulam a
transferência do patrimônio do morto ao herdeiro, em virtude de lei ou de
testamento. A palavra sucessão significa substituir uma pessoa por outra, que
vai assumir suas obrigações e adquirir seus direitos.
O
direito de herança é garantido constitucionalmente no art. 5º, XXX, bem como o
direito de propriedade no art. 5º, XXII.
Estes
dois direitos estão intimamente ligados, pois se a propriedade de bens nos
fosse negada, não teríamos o que deixar de herança a nossos sucessores. E se só
houvesse propriedade sem herança, as pessoas deixaram de trabalhar quando
estivessem ricas. Mas por saber que poderemos deixar uma herança a nossos entes
queridos, as pessoas seguem trabalhando apesar de já materialmente satisfeitas,
estimulando a capacidade produtiva do ser humano, em benefício da riqueza da
família e da sociedade como um todo. A propriedade se perpetua através da
herança.
A sucessão em direito pode ser inter vivos ou mortis causa.
Da
sucessão entre vivos cuida o Direito das Obrigações (ex: João compra uma casa a
Maria e sucede Maria na propriedade daquele bem;).
Lembro
que a sucessão é no patrimônio, ou seja, no ativo e no passivo, de modo que o
herdeiro, dentro das forças da herança, deve pagar as dívidas do hereditando
(943, 1.792). O herdeiro não representa o morto, não é seu
procurador ou advogado, mas apenas o sucede nas relações patrimoniais.
Art. 1.792. O herdeiro não responde por
encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do
excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens
herdados.
Esse patrimônio (ativo e passivo)
chama-se de espólio: trata-se do conjunto de direitos e
deveres do falecido;
O
espólio é uma massa patrimonial administrada pelo inventariante (1.991) sob
condomínio dos herdeiros (pú do 1.791).
Art. 1.991. Desde a assinatura do
compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será
exercida pelo inventariante.
Art. 1.791. A herança defere-se como um
todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o
direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será
indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
PARTE 02
Como
dito no conceito supra, a transmissão do patrimônio ao herdeiro se dá em
virtude de lei ou de testamento (art 1.786);
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou
por disposição de última vontade.
Não existe herança decorrente de contrato
(art. 426) salvo na hipótese da antecipação da herança do art. 2.018, comum na
sucessão de empresa familiar, quando o pai idoso orienta e transfere em vida
seus negócios aos filhos.
MUITO IMPORTANTE
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato
a herança de pessoa viva.
Art. 2.018. É válida a partilha feita por
ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não
prejudique a legítima dos herdeiros necessários.
Espécies de sucessão:
a) testamentária: Se houver testamento, a sucessão
testamentária predomina sobre a sucessão legítima, dentro dos limites da lei .
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem
testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá
quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a
sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
Art. 1.789. Havendo herdeiros
necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
Art. 1.845. São herdeiros necessários os
descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
A
liberdade de testar não é assim absoluta, pois metade é dos filhos, pais e
cônjuge, só a outra metade é que pode ser deixada para quem o testador desejar.
Art. 1.857.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários
não poderá ser incluída no testamento.
Quem
não possui herdeiros necessários pode testar em favor de qualquer pessoa.
Não
importam quantos sejam os herdeiros necessários, um ou dez, a eles cabe metade
da herança.
MUITO IMPORTANTE:
Lembro
que se o testador for casado pelo regime da comunhão de bens, metade de seus
bens pertence ao cônjuge, mas não por herança e sim por direito próprio, face
ao condomínio entre marido e mulher. Ou seja, a metade dos bens de alguém
casado pelo regime da comunhão na verdade corresponde a 25% de seu patrimônio.
A
sucessão testamentária pode ainda ser a título universal ou a título singular;
nesta teremos a figura do legatário que recebe legado e não herança.
A
herança é o total ou uma fração indeterminada do patrimônio do extinto (ex:
1/3, 20% da herança, etc).
Já
o legado é de coisa certa (ex: a casa da praia, o anel de brilhantes, etc).
Quem sucede a titulo universal é herdeiro e responde também por eventuais
dívidas do morto, dentro dos limites da herança herdeiro adquire o ativo e
responde pelo passivo.
Art. 1.997. A herança responde pelo
pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os
herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
Quem
sucede a titulo singular é legatário e não responde por eventuais dívidas,
porém só recebe seu legado após verificada a solvência da herança ;
Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão,
pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado
estiver sob condição suspensiva.
§ 1o Não se defere de imediato a posse da
coisa, nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria.
§ 2o O legado de coisa certa existente na
herança transfere também ao legatário os frutos que produzir, desde a morte do
testador, exceto se dependente de condição suspensiva, ou de termo inicial.
OBS: QUESTÃO DE CONCURSO: O herdeiro pode logo assumir a posse dos bens do
extinto (o art 1.784 não se refere a legatários, só a herdeiros).
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança
transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
b) legítima:
prevalece a disposição da lei se alguém morre sem testamento, ou se o
testamento for invalidado (1.829).
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se
na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com
o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da
comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,
parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não
houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com
o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais
O
legislador presume que o falecido gostaria de proteger seu cônjuge e filhos,
por isso eles são os primeiros da lista.
Na
nossa sociedade a sucessão legítima prevalece sobre a testamentária por três
motivos:
1 ) a gente nunca acha que vai morrer;
2)
fazer um testamento pode ser caro, complicado e inconveniente, veremos isso em
breve;
3)
se a gente morre sem testamento, a lei já beneficia nossos filhos, que são
nossos entes mais queridos, então não há com o que se preocupar!
A
sucessão pode ser das duas espécies se o testamento não abranger todos os bens
do hereditando (1.788).
MUITO IMPORTANTE:
A
sucessão legítima sempre é a título universal, não havendo legado se não há
testamento. Já a sucessão testamentária pode ser a título universal ou a
singular.
Ponto de reflexão: como dito acima, nossa sociedade não tem o hábito
de testar, mas pelo novo CC de 2002 o cônjuge e os filhos estão em igualdade
(1.829 e 1.845), e isso pode aumentar o número de testamentos.
Uma
coisa é você deixar seus bens para os
seus filhos, como na lei velha. Outra coisa é deixar para seu cônjuge em
condições de igualdade com os filhos, especialmente nos casamentos desgastados
pelos anos. Só o tempo irá dizer se agora as pessoas mal casadas vão ter a preocupação
de testar, não para excluir, mas para pelo menos diminuir o quinhão do cônjuge
em benefício dos filhos.
Lembrando
o conceito de Direito das Sucessões: são as normas que tratam da transmissão do
patrimônio do morto a seus sucessores, em virtude da lei ou do testamento;
transmite-se o patrimônio, ou seja, eventuais dívidas também, mas o herdeiro só
paga as dívidas até o limite dos bens recebidos (1.792).
PARTE 03
Princípios
1) respeito a
vontade do hereditando (1.899);
esse princípio é reflexo do art. 112 do CC que destaca a importância da vontade
nos negócios jurídicos O juiz e o testamenteiro devem se valer de testemunhas
ao interpretar o testamento para tentar descobrir qual seria a vontade do
extinto.
Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária
for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure
a observância da vontade do testador.
2) atribuição da herança a parentes ou familiares
do falecido: este princípio
completa o anterior, de modo que se deve obedecer à vontade do extinto, mas
respeitando-se o quinhão dos familiares, afinal a família é a base da sociedade
(1.789, 1.845, § 1º do art. 1.857).
3) igualdade entre os quinhões da herança ou
princípio da divisão necessária:
o Direito Romano admitia a varonia e a primogenitura, de modo que os filhos
homens e mais velhos herdavam mais do que os filhos mais jovens e as mulheres;
atualmente existe igualdade entre os filhos (art 2.003 do CC e § 6º do art 227
da CF). Porém, se alguém deseja beneficiar um filho mais do que o outro pode
fazê-lo via testamento e suportar as consequências do ciúme entre irmãos.
Art. 1.849. O herdeiro necessário, a quem
o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perderá o
direito à legítima.
Art. 2.006. A dispensa da colação pode
ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade
Fundamento do Direito das sucessões:
O que justifica o direito de herança?
É
a continuidade da vida através do patrimônio do morto que passa para seus familiares,
estimulando o trabalho de todos. Mesmo as pessoas ricas continuam trabalhando
porque sabem que vão garantir o futuro de seus filhos e netos.
A
doutrina socialista do séc. XX criticava a herança por não beneficiar os mais
capazes e sim os mais sortudos, ou seja, os filhos dos ricos, fossem eles
competentes ou não, que teriam dinheiro sem ter se esforçado para tanto.
Seria
injusto alguém enriquecer sem trabalhar, por isso os filhos dos ricos seriam
acomodados, e não se preocupariam em estudar, apenas em esbanjar a vida. A
conclusão do socialismo é a de que a herança seria um estímulo à preguiça, pelo
que ela foi proibida na antiga União Soviética e os bens seguiram para o
Estado...
Mas
a história provou o equívoco desse regime, pois o Estado é burocrata, corrupto
e péssimo administrador, sendo incapaz de gerar riqueza para distribuí-la; a
transferência dos bens ao Governo só aumentou a corrupção e a ineficiência;
além disso houve uma atrofia na economia, deixando as pessoas de trabalhar por
saber que o fruto do seu suor não ficaria para seus filhos; era melhor
desperdiçar o dinheiro ganho em vida, do que deixá-lo para os políticos.
Realmente,
a manutenção da propriedade e da herança na vida privada é um estímulo ao
trabalho, à produção de riqueza e ao desenvolvimento sócio-econômico. Se o
filho por acaso não merecer o patrimônio do pai, os políticos também não o
merecem. No mundo moderno
os países mais ricos, com melhores índices de desenvolvimento humano, são
aqueles que defendem a propriedade e a herança.
Mas
lembro que os pais não são obrigados a deixar bens para os filhos, ou seja, os
pais idosos devem viajar, viver, gastar como quiserem, afinal não se pode
dispor de herança de pessoa viva, já que os filhos sempre podem morrer antes
dos pais (426 – pacta corvina).
Porém,
com o falecimento do ascendente o filho já pode negociar seu quinhão/fração da
herança, doando ou vendendo a terceiros , mesmo antes da partilha (1.793; exige
escritura pública pois a herança é tida como coisa imóvel, 80, II).
Isto porque pelo princípio da saisine o herdeiro já é dono do patrimônio no momento da morte do
hereditando (1.784).
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança
transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
A
partilha vem para individualizar os bens dos sucessores mas a propriedade se
transfere pela saisine sob condomínio
forçado a todos os herdeiros.
Art. 2.023. Julgada a partilha, fica o
direito de cada um dos herdeiros circunscrito aos bens do seu quinhão.
Abertura da Sucessão
É
com a morte de alguém que a sucessão se abre e as regras do direito sucessório
serão aplicadas para a transmissão do patrimônio aos herdeiros.
Pressupostos para se abrir a sucessão:
1)
a morte de alguém (1.785) e
2)
a vocação hereditária feita pelo falecido se deixou testamento, ou feita pela
lei na ausência de declaração de ultima vontade (1.788, 1.798).
Essa
morte precisa ser comprovada pela Medicina Legal com a expedição da certidão de
óbito. Excepcionalmente admite-se sucessão nas hipóteses de ausência, com muito
mais formalidades ou morte presumida.
A
transmissão patrimonial é automática, ou seja, no instante após a morte os
herdeiros já são proprietários dos bens do extinto (1.784).
Este dispositivo é tão importante que é logo o
primeiro artigo do código no livro das sucessões. Os franceses chamam essa
regra de princípio da “saisine”, então mesmo que o herdeiro
nem saiba ainda da morte do hereditando, ele já será, por uma ficção jurídica,
juntamente com os demais herdeiros, condômino do patrimônio do falecido.
O
princípio da saisine é importante
para que os bens do espólio não fiquem acéfalos e sejam considerados coisa
abandonada, ou coisa sem dono, sujeita a ocupação por terceiros.
É
verdade que para pagamento dos impostos, de eventuais dívidas e de partilha dos
bens será necessária a abertura de inventário (ou arrolamento, veremos essa
questão depois), mas a propriedade em si, sob condomínio, se transfere “desde
logo” aos herdeiros, sem formalidades e sem necessidade de praticarem qualquer
ato (1.791).
Face
à saisine, se o herdeiro morre
instantes após o hereditando, ele chegou a herdar, de modo que os herdeiros do
herdeiro pagarão dupla tributação, pois houve duas transmissões patrimoniais.
Quando
num acidente morrem pessoas da mesma família, a Medicina Legal tenta comprovar
quem morreu primeiro, mas não sendo possível aplica-se a regra da comoriência.
Art. 8o Se dois ou mais indivíduos
falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes
precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.