quarta-feira, 27 de abril de 2016

DIREITO DAS SUCESSÕES PARTE 01

DIREITO DAS SUCESSÕES MATERIAL COMPLETO


O Direito Civil é o direito dos ricos. Tanto que mesmo no contrato de doação existe um interesse econômico.
Dinheiro tem uma importância grande na nossa vida, especialmente na velhice quando estamos mais vulneráveis. Das crianças os pais cuidam, mas os velhos em geral são um problema nas famílias, por isso é importante você estudar e trabalhar para juntar dinheiro quando estiver idoso.
É justamente desta arrecadação do patrimônio que cuida o Direito Civil. No Direito das Obrigações estudamos que as pessoas se relacionam com outras pessoas e celebram contratos em busca de conforto e lucro.
No Direito Real estudamos que as pessoas se relacionam com as coisas, ocupando-as para adquirir propriedade. A propriedade (ou domínio) é o principal Direito Real. Pois bem, ao longo das décadas celebrando contratos e adquirindo propriedade as pessoas formam um patrimônio, esse é o sentido da vida!
E para onde vai esse patrimônio quando as pessoas morrem? Para seus sucessores. É da transmissão desse patrimônio que cuida o Direito das Sucessões, assunto deste semestre.
Vocês conhecem o princípio jurídico “mors omnia solvit” (a morte acaba com tudo)? Pois bem, esse princípio se aplica ao Direito Eleitoral, Penal e de Família, de modo que os direitos políticos, a punibilidade, o casamento e o poder familiar se extinguem com a morte.
Já no Direito das Sucessões é com a morte que tudo começa, pois a vida terminou, mas o patrimônio do extinto subsiste e será transferido a seus herdeiros.

Conceito: Direito das Sucessões é o ramo do Direito Civil cujas normas regulam a transferência do patrimônio do morto ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento. A palavra sucessão significa substituir uma pessoa por outra, que vai assumir suas obrigações e adquirir seus direitos.

O direito de herança é garantido constitucionalmente no art. 5º, XXX, bem como o direito de propriedade no art. 5º, XXII.
Estes dois direitos estão intimamente ligados, pois se a propriedade de bens nos fosse negada, não teríamos o que deixar de herança a nossos sucessores. E se só houvesse propriedade sem herança, as pessoas deixaram de trabalhar quando estivessem ricas. Mas por saber que poderemos deixar uma herança a nossos entes queridos, as pessoas seguem trabalhando apesar de já materialmente satisfeitas, estimulando a capacidade produtiva do ser humano, em benefício da riqueza da família e da sociedade como um todo. A propriedade se perpetua através da herança.

A sucessão em direito pode ser inter vivos ou mortis causa.

Da sucessão entre vivos cuida o Direito das Obrigações (ex: João compra uma casa a Maria e sucede Maria na propriedade daquele bem;).
Lembro que a sucessão é no patrimônio, ou seja, no ativo e no passivo, de modo que o herdeiro, dentro das forças da herança, deve pagar as dívidas do hereditando (943, 1.792).  O herdeiro não representa o morto, não é seu procurador ou advogado, mas apenas o sucede nas relações patrimoniais.
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.


Esse patrimônio (ativo e passivo) chama-se de espólio: trata-se do conjunto de direitos e deveres do falecido;
O espólio é uma massa patrimonial administrada pelo inventariante (1.991) sob condomínio dos herdeiros (pú do 1.791).
Art. 1.991. Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante.
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

PARTE 02

Como dito no conceito supra, a transmissão do patrimônio ao herdeiro se dá em virtude de lei ou de testamento (art 1.786);
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

 Não existe herança decorrente de contrato (art. 426) salvo na hipótese da antecipação da herança do art. 2.018, comum na sucessão de empresa familiar, quando o pai idoso orienta e transfere em vida seus negócios aos filhos.
MUITO IMPORTANTE
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.






Espécies de sucessão:

a) testamentária:  Se houver testamento, a sucessão testamentária predomina sobre a sucessão legítima, dentro dos limites da lei .
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

A liberdade de testar não é assim absoluta, pois metade é dos filhos, pais e cônjuge, só a outra metade é que pode ser deixada para quem o testador desejar.
Art. 1.857.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.

Quem não possui herdeiros necessários pode testar em favor de qualquer pessoa.
Não importam quantos sejam os herdeiros necessários, um ou dez, a eles cabe metade da herança.
MUITO IMPORTANTE:
Lembro que se o testador for casado pelo regime da comunhão de bens, metade de seus bens pertence ao cônjuge, mas não por herança e sim por direito próprio, face ao condomínio entre marido e mulher. Ou seja, a metade dos bens de alguém casado pelo regime da comunhão na verdade corresponde a 25% de seu patrimônio.

A sucessão testamentária pode ainda ser a título universal ou a título singular; nesta teremos a figura do legatário que recebe legado e não herança.
A herança é o total ou uma fração indeterminada do patrimônio do extinto (ex: 1/3, 20% da herança, etc).
Já o legado é de coisa certa (ex: a casa da praia, o anel de brilhantes, etc). Quem sucede a titulo universal é herdeiro e responde também por eventuais dívidas do morto, dentro dos limites da herança herdeiro adquire o ativo e responde pelo passivo.

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

Quem sucede a titulo singular é legatário e não responde por eventuais dívidas, porém só recebe seu legado após verificada a solvência da herança ;
Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva.
§ 1o Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria.
§ 2o O legado de coisa certa existente na herança transfere também ao legatário os frutos que produzir, desde a morte do testador, exceto se dependente de condição suspensiva, ou de termo inicial.

OBS: QUESTÃO DE CONCURSO: O herdeiro pode logo assumir a posse dos bens do extinto (o art 1.784 não se refere a legatários, só a herdeiros). 
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

b) legítima: prevalece a disposição da lei se alguém morre sem testamento, ou se o testamento for invalidado (1.829).
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais

O legislador presume que o falecido gostaria de proteger seu cônjuge e filhos, por isso eles são os primeiros da lista.
Na nossa sociedade a sucessão legítima prevalece sobre a testamentária por três motivos:
 1 ) a gente nunca acha que vai morrer;
2) fazer um testamento pode ser caro, complicado e inconveniente, veremos isso em breve;
3) se a gente morre sem testamento, a lei já beneficia nossos filhos, que são nossos entes mais queridos, então não há com o que se preocupar!
A sucessão pode ser das duas espécies se o testamento não abranger todos os bens do hereditando (1.788).
MUITO IMPORTANTE:
A sucessão legítima sempre é a título universal, não havendo legado se não há testamento. Já a sucessão testamentária pode ser a título universal ou a singular.
Ponto de reflexão: como dito acima, nossa sociedade não tem o hábito de testar, mas pelo novo CC de 2002 o cônjuge e os filhos estão em igualdade (1.829 e 1.845), e isso pode aumentar o número de testamentos.
Uma coisa  é você deixar seus bens para os seus filhos, como na lei velha. Outra coisa é deixar para seu cônjuge em condições de igualdade com os filhos, especialmente nos casamentos desgastados pelos anos. Só o tempo irá dizer se agora as pessoas mal casadas vão ter a preocupação de testar, não para excluir, mas para pelo menos diminuir o quinhão do cônjuge em benefício dos filhos. 
Lembrando o conceito de Direito das Sucessões: são as normas que tratam da transmissão do patrimônio do morto a seus sucessores, em virtude da lei ou do testamento; transmite-se o patrimônio, ou seja, eventuais dívidas também, mas o herdeiro só paga as dívidas até o limite dos bens recebidos (1.792).

 PARTE 03

Princípios

1)  respeito a vontade do hereditando (1.899); esse princípio é reflexo do art. 112 do CC que destaca a importância da vontade nos negócios jurídicos O juiz e o testamenteiro devem se valer de testemunhas ao interpretar o testamento para tentar descobrir qual seria a vontade do extinto.

Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.

2) atribuição da herança a parentes ou familiares do falecido: este princípio completa o anterior, de modo que se deve obedecer à vontade do extinto, mas respeitando-se o quinhão dos familiares, afinal a família é a base da sociedade (1.789, 1.845, § 1º do art. 1.857).

3) igualdade entre os quinhões da herança ou princípio da divisão necessária: o Direito Romano admitia a varonia e a primogenitura, de modo que os filhos homens e mais velhos herdavam mais do que os filhos mais jovens e as mulheres; atualmente existe igualdade entre os filhos (art 2.003 do CC e § 6º do art 227 da CF). Porém, se alguém deseja beneficiar um filho mais do que o outro pode fazê-lo via testamento e suportar as consequências do ciúme entre irmãos.

Art. 1.849. O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima.
Art. 2.006. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade


Fundamento do Direito das sucessões:
O que justifica o direito de herança?
É a continuidade da vida através do patrimônio do morto que passa para seus familiares, estimulando o trabalho de todos. Mesmo as pessoas ricas continuam trabalhando porque sabem que vão garantir o futuro de seus filhos e netos.
A doutrina socialista do séc. XX criticava a herança por não beneficiar os mais capazes e sim os mais sortudos, ou seja, os filhos dos ricos, fossem eles competentes ou não, que teriam dinheiro sem ter se esforçado para tanto.
Seria injusto alguém enriquecer sem trabalhar, por isso os filhos dos ricos seriam acomodados, e não se preocupariam em estudar, apenas em esbanjar a vida. A conclusão do socialismo é a de que a herança seria um estímulo à preguiça, pelo que ela foi proibida na antiga União Soviética e os bens seguiram para o Estado...
Mas a história provou o equívoco desse regime, pois o Estado é burocrata, corrupto e péssimo administrador, sendo incapaz de gerar riqueza para distribuí-la; a transferência dos bens ao Governo só aumentou a corrupção e a ineficiência; além disso houve uma atrofia na economia, deixando as pessoas de trabalhar por saber que o fruto do seu suor não ficaria para seus filhos; era melhor desperdiçar o dinheiro ganho em vida, do que deixá-lo para os políticos.

Realmente, a manutenção da propriedade e da herança na vida privada é um estímulo ao trabalho, à produção de riqueza e ao desenvolvimento sócio-econômico. Se o filho por acaso não merecer o patrimônio do pai, os políticos também não o merecem. No mundo moderno os países mais ricos, com melhores índices de desenvolvimento humano, são aqueles que defendem a propriedade e a herança.
Mas lembro que os pais não são obrigados a deixar bens para os filhos, ou seja, os pais idosos devem viajar, viver, gastar como quiserem, afinal não se pode dispor de herança de pessoa viva, já que os filhos sempre podem morrer antes dos pais (426 – pacta corvina).
Porém, com o falecimento do ascendente o filho já pode negociar seu quinhão/fração da herança, doando ou vendendo a terceiros , mesmo antes da partilha (1.793; exige escritura pública pois a herança é tida como coisa imóvel, 80, II).
 Isto porque pelo princípio da saisine o herdeiro já é dono do patrimônio no momento da morte do hereditando (1.784).
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

A partilha vem para individualizar os bens dos sucessores mas a propriedade se transfere pela saisine sob condomínio forçado a todos os herdeiros.
Art. 2.023. Julgada a partilha, fica o direito de cada um dos herdeiros circunscrito aos bens do seu quinhão.
 

Abertura da Sucessão

É com a morte de alguém que a sucessão se abre e as regras do direito sucessório serão aplicadas para a transmissão do patrimônio aos herdeiros.

Pressupostos para se abrir a sucessão:
1) a morte de alguém (1.785) e
2) a vocação hereditária feita pelo falecido se deixou testamento, ou feita pela lei na ausência de declaração de ultima vontade (1.788, 1.798).
Essa morte precisa ser comprovada pela Medicina Legal com a expedição da certidão de óbito. Excepcionalmente admite-se sucessão nas hipóteses de ausência, com muito mais formalidades ou morte presumida.
A transmissão patrimonial é automática, ou seja, no instante após a morte os herdeiros já são proprietários dos bens do extinto (1.784).
 Este dispositivo é tão importante que é logo o primeiro artigo do código no livro das sucessões. Os franceses chamam essa regra de princípio da “saisine”, então mesmo que o herdeiro nem saiba ainda da morte do hereditando, ele já será, por uma ficção jurídica, juntamente com os demais herdeiros, condômino do patrimônio do falecido.
O princípio da saisine é importante para que os bens do espólio não fiquem acéfalos e sejam considerados coisa abandonada, ou coisa sem dono, sujeita a ocupação por terceiros. 
É verdade que para pagamento dos impostos, de eventuais dívidas e de partilha dos bens será necessária a abertura de inventário (ou arrolamento, veremos essa questão depois), mas a propriedade em si, sob condomínio, se transfere “desde logo” aos herdeiros, sem formalidades e sem necessidade de praticarem qualquer ato (1.791).
Face à saisine, se o herdeiro morre instantes após o hereditando, ele chegou a herdar, de modo que os herdeiros do herdeiro pagarão dupla tributação, pois houve duas transmissões patrimoniais.
Quando num acidente morrem pessoas da mesma família, a Medicina Legal tenta comprovar quem morreu primeiro, mas não sendo possível aplica-se a regra da comoriência.

Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.

2 comentários:

  1. Bela abordagem sobre a importância da propriedade privada na sociedade humana e para seu desenvolvimento. Falta muito isso na academia. #impostoéroubo

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  2. Claro , objetivo uma forma simples de entender direito, obrigada

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