sábado, 13 de fevereiro de 2016


PRELÚDIO:

CARTA DE SINDARA.
           

Creio que você vai achar no mínimo interessante, depois de tudo o que aconteceu, enviar-lhe esta carta. Não quero justificar-me através dela, sei como pensa e qual sentimento tem por mim - talvez raiva, ódio. Embora eu sinta sua falta, isso não interessa, mas é importante que você entenda os fatos.
A história é mais ampla. Não se trata de mim, de você, do seu pai, da disputa de poder ou dos reinos. É algo infinitamente maior. Então para alguns pode ser irrelevante falar de fatos que ocorreram antes do meu nascimento, afinal o que sou, quem sou, o poder e respeito que adquiri em meu país e o que fiz pela minha nação são coisas às quais as pessoas dão mais crédito.
Falar do passado, dos fantasmas, daqueles que se foram e daqueles que ainda estão aqui nas sombras, num primeiro momento, pode parecer supérfluo, mas acredite, não é. A história deste mundo e minha história se entrelaçam com a de alguns personagens desta narrativa. Talvez não acredite em mim, ou pense que estou tramando algo, pois sei que a esta altura está se perguntando: Mas por que escrever a você?
Talvez por ter confiado em ti e principalmente por amá-lo, mas a verdade é que não sei, e outra pergunta vai se fazer. São tantas coisas na minha cabeça e ainda me preocupo com a maneira como você irá receber tudo, mas a principal pergunta que deve fazer é: Como ela sabe tudo isso?
            A resposta é simples: eu fui atrás do olho do tempo. Meu objetivo era ver o futuro, mas ele somente mostrava o passado; o futuro ainda não estava escrito e dependia de infinitas decisões do presente. Não me importei com este fato e apenas olhei através do tempo.
            Você não tem noção do quão louco foi quando anos, vidas e eras se passaram em questão de minutos. Isso fixa na mente como as sanguessugas do pântano de Odro grudam em suas vítimas. Aquilo exigiu de mim um esforço sobre-humano, transitei entre a sanidade e a loucura, pois eu vi, senti, chorei e gritei com estas pessoas. Eu era todas elas e ao mesmo tempo era Sindara.
            O olho do tempo, além de um artefato mágico poderoso, é um arquivo de tudo que ocorreu, e trabalha o passado de acordo com o usuário, assim eu vi e senti todas as ações e fatos que levaram ao dia de hoje. Houve necessidade de parar e escrever.
            Tanta dor, sofrimento e mortes desnecessários e para quê?
            Como lhe disse antes, o que se passa aconteceu alguns anos antes do meu nascimento. Tenho que resumir décadas de fatos em poucas palavras, portanto perdoe-me se não estiver sendo bem detalhista; faltaram algumas partes, porque de tudo o que foi visto, muita coisa está se perdendo em minha mente. Talvez ao começar a ler você não entenda uma coisa ou outra, mas saiba que está tudo bem amarrado e ao final da narrativa você certamente entenderá.
            Todos sabemos que o véu que separa este mundo de sua camada inferior, Agonia, foi rompido muitos milênios atrás. Os magos que o fizeram acharam que estavam se aproximando da morada dos deuses, mas quando viram onde estavam, batizaram o lugar com este nome, que faz referência ao suspiro final antes da morte. Tentaram inutilmente fechá-lo, mas já era tarde e muitas criaturas romperam para o nosso mundo, entre elas orcs, trolls, sombrios e espíritos.
            Até aqui nenhuma novidade, aliás você também sabe que vinte anos antes do meu nascimento, os centauros em sua sede de poder e vendo seu declínio perante as raças existentes, soberbos acreditaram que com seus conhecimentos em magia conseguiriam romper o véu, entrar em Agonia,  absorver seu poder mágico e ainda fechar definitivamente os portais que levavam até lá. O quanto foram tolos ou ingênuos não podemos saber, mas a verdade é que milhares deles marcharam para Soronto, uma vila no reino de Damatia onde o véu é mais tênue, e adentraram em Agonia.
             Uma aliança se formou entre elfos, humanos, anões e outras raças que, liderados por Círdan, marcharam até Damatia. Houve guerra, mas a aliança venceu a batalha em nosso mundo e alguns magos elfos e humanos infiltraram-se em Agonia, mas o pior já tinha sido feito. Os centauros em Agonia fizeram uma tolice e abriram um portal para uma camada inferior do véu. Quando Círdan chegou, eles tentavam, em vão, usar sua magia para fechar o portal. Centenas - talvez milhares - estavam mortos por algo que queria sair da camada inferior. A aliança e o restante dos centauros focaram naquele ser amorfo que desesperadamente tentava se libertar.
            Círdan utilizou uma magia antiga de aprisionamento, semelhante à que aprisionou a deusa negra, passada de geração em geração pela família real.
            Houve o sacrifício de muitos centauros para ajudá-lo, enquanto o selo aos poucos tomava forma. O poder das sombras não quis se render facilmente e atacou a todos da forma que pôde, e não houve um que não tenha sentido seu ataque físico ou mental. Quando Círdan terminou o selo, apenas ele e outras quatro pessoas ainda estavam vivas: três magas, Selene, Morlila e Tania, e seu guarda-costas Tanor. Uma raça inteira tinha sido praticamente extinta. Soronto foi rebatizada como o cemitério de centauros.
            Selene e Tania passaram para o nosso mundo, mas quando foi a vez de Morlila, ela fugiu para dentro de Agonia. Ela estava louca e Círdan teve que persegui-la, pois a amava e ela esperava um filho seu.
            Dentro de Agonia, o mal a consumiu e seu poder estava crescendo. Uma parte daquela criatura das trevas que tentou escapar estava dentro dela. Círdan teve que lhe tirar a vida, não antes dela decepar-lhe o braço esquerdo. Quando voltou ao seu mundo, estava mutilado física e espiritualmente.
            Agora, meu amor, quero dar um pequeno pulo na narrativa que se segue para um ano e meio antes do meu nascimento, ou seja, vinte anos atrás. Assim, aos poucos, mesmo em guerra enviar-lhe-ei estas cartas, para que entenda como nos separamos e o que se aproxima.


Sindara



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