CAPÍTULO 2
ALÁSIA E ILRON:
Era a terceira carta que recebia
aquele mês. Estavam todas lacradas na cômoda do quarto – ficavam ali,
incomodavam quando eram vistas, mas depois procurava esquecer de tudo e por
horas esquecia, até que um pensamento, uma frase, uma imagem ou qualquer outra
coisa trouxesse de volta tudo que as envolvia. Embora repetitivo, era sempre um
baque, uma queda que tentava evitar a todo custo, mas que sempre a pegava igual
uma armadilha – oculta, maliciosa, porém presente – um compromisso adiável
somente pelas desculpas, mas que em breve seria cobrado pelo tempo.
Achou melhor descer com antecedência
para o treino, talvez a melancolia passasse. Bastava estar em movimento,
repetindo postura a postura, ataque, defesa e certas invocações mágicas, que se
esqueceria da família, do seu povo, de seus compromissos, da vida que foi
planejada para ela, para que como um ator entrasse no personagem. Não era fácil ser uma princesa, ainda mais
uma que não queria ser – pensou.
Quando desceu as escadas do prédio
reservado às mulheres, pegou o caminho do campo de treinamento sul. Bom, ninguém ainda chegou, talvez tenha
alguns minutos de paz – pensou.
Conhecia bem o campo sul – de todos os três era o
que tinha mais familiaridade. Ficava sob uma grande redoma, o templo da luz. Possuía
várias arenas de treino e combate, e cada um deles tinha elementos que lhe eram
próprios. O sul era o dos elementos fogo e terra, e a arena norte – Bem, aquilo não era bem uma arena. Toda vez
que pensava a respeito tinha vontade de questionar este fato. Oito círculos de
um material que parecia vidro, em níveis diferentes, separados por alguns
metros de distância, mas nunca lado a lado, sustentados no ar por magia numa
queda de cem metros. Quando explicava isso para meus familiares, parecia lhes
dar nó na cabeça e logo cessavam as perguntas. Mas a arena do vento possuía seu
charme e seus perigos. Agora a outra arena, definitivamente não era a minha
preferida – apenas um lago com arquibancadas grandes em volta. Porém abaixo, metros
e mais metros de profundidade, podia-se encontrar qualquer tipo de ser aquático.
Um dia via-se claramente a água, no outro não. Em alguns casos, a água ficava
lodosa, barrenta e até mesmo congelante. Irei sentir tanta falta de tudo isso.
A arena sul, um grande coliseu fechado, simulava,
com o auxílio de poder mágico de runas, vários ambientes de treino. Era o
instrutor e sua equipe, através destas runas, que modificavam o cenário. Podia-se
esperar qualquer coisa, desde mudanças drásticas no chão e no ambiente até o
aparecimento de lava e tornados de fogo.
Tudo isto tinha duas finalidade básicas e algumas
outras a critério do instrutor. A primeira era deixar o mago resistente a
ataques daqueles elementos – a partir do momento em que estivesse habituado aos
elementos, ele podia mais facilmente manipulá-los. A segunda finalidade era
fazer com o que o mago assimilasse os pontos fortes e fracos dos elementos e
utilizasse-os em combate – o elemento água tinha como ponto forte a
adaptabilidade e como ponto fraco o não confronto, já o fogo tinha como ponto
forte a fúria, a intensidade, mas seu fraco era a insensatez.
Naquele campo ela se sentia em paz, sua
natureza estava ali, nua. Podia sentir seu sangue pulsando e o gosto da vitória.
Somente havia perdido duas vezes naquela arena, as duas para Ilron. Outras
tantas vezes tinha ganhado de todos no cenário que lhe era mais familiar. Amava
a amizade de Ilron, e o fato de tê-lo derrotado ali não interferia na amizade
de ambos, ao contrário a estimulava – ele era seu amigo, seu confidente, sua rocha.
Nunca pensou que teria como melhor amigo um elfo, mas ele havia sido um porto
seguro nos seis anos em que estiveram ali.
Sabia que em breve Ilron e os demais
chegariam. Talvez o combate de hoje na arena do fogo fosse a última chance de
derrotá-lo mais uma vez. O elfo não
aceita uma derrota tão fácil, como será bom vê-lo irritado! Infelizmente no
próximo verão estaremos graduados e ele voltará para os elfos, com quem tão
pouco esteve e eu, bom, melhor não pensar nisso.
Enquanto esperava, Alásia lembrou-se
do dia em que chegou ao templo da Luz. Vinha pela floresta, toda a viagem
transcorreu sem assombros, tinha doze anos e durante o período final de seu trajeto
optou por vir cavalgando. Lembrou-se da sensação de observar do alto da
montanha os portões e torres. Descera por um caminho curto que mal era
suficiente para as carruagens que a acompanhavam, foram cinco quilômetros de
uma descida perigosa e lenta. Quando chegou em frente aos portões, ficou
boquiaberta com o tamanho. A magnitude da construção a encantava, e ao lado dos
portões duas figuras foram esculpidas nas rochas da muralha – um casal, de um
lado um homem ajoelhado em apenas um dos joelhos e do outro uma mulher fazendo
uma reverência, representavam o guardião e a serviçal, defesa e auxílio, os
motes do templo da luz.
Abel, o homem que guiava a comitiva
e seu futuro instrutor, disse algumas palavras em élfico na ocasião e os
portões de quarenta metros deslocaram sua grande estrutura. Um vento frio fugiu
lá de dentro. Dois quilômetros de planície se estendiam até os vilarejos,
centenas de casas idênticas com tetos de palha e acabamentos em madeira num
típico visual do campo, separadas em quadras e ruas calçadas de pedra. As
únicas construções que se diferenciavam eram as voltadas para os mais variados
comércios, mas nada que descaracterizasse a unidade do local.
A pequena vila servia como suporte
ao templo. Todos que moravam ali de alguma forma trabalhavam lá direta ou indiretamente.
Todos conheciam os alunos do templo e o contrário era verdadeiro. Havia vida
nas ruas e cordialidade.
Lembrou-se de ter corrido muito até
que chegasse às construções do templo. Admirou-se não com a beleza – aliás o
local padecia disso – na verdade o que se via era grandiosidade, torres e mais
torres góticas sem uma disposição preestabelecida, como se tivessem sido
colocadas de forma caótica. Não dava para entender a disposição delas, mas isto
acrescentava mistério ao lugar. Depois das torres e de cinco grandes prédios, havia
as três arenas de treinamento, à frente uma pequena planície e mais ao longe,
onde a vista fazia força para chegar, estava o pico do trovão – local mágico e
sagrado para o templo, cujo acesso somente era possível aos grandes mestres. A
lembrança foi interrompida por vozes.
Ilron chegou e com seu jeito
brincalhão abraçou Alásia:
– Pelo visto alguém andou treinando
hoje.
Ela sorriu e respondeu:
– Não tive tempo, vocês chegaram
mais cedo.
– Não fui somente eu – ele gesticulou
com os olhos e ela viu Abel, seus auxiliares e os demais amigos chegando.
Quando todos estavam no centro da arena, Abel se posicionou para falar. Alásia
observava aquele homem negro de cabelos curtos que usava uma grande capa
branca. Ela sempre se impressionava com o andar altivo dele, mas o que mais lhe
chamava atenção eram os grandes dentes brancos, que pareciam ser esculpidos. Eles podem cortar couro ou osso facilmente.
– Hoje faremos um treinamento em
trios, pois queremos avaliar o trabalho de vocês em equipe. Dividiremos quatro
equipes e cada uma ficará em um ponto extremo da arena. Cada equipe terá três
bandeiras para defender, e ganha quem tiver o maior número de bandeiras que não
sejam as suas. Vocês terão dez minutos. – Ao ver que todos captavam suas
palavras, continuou:
– A equipe que estiver pensando em
se defender exclusivamente perderá uma bandeira a cada dois minutos e a equipe
que perder suas três bandeiras será automaticamente excluída. Para que uma
bandeira seja considerada ganhada ou perdida, ela tem que estar em um dos
campos adversários ou no próprio. Todos entenderam as regras?
Todos concordaram.
– Se os três participantes de uma equipe ficarem
sem condições de continuar serão eliminados. Se entenderam irei partir para a
divisão de equipes.
Otto perguntou:
– O que poderá ser utilizado? Armas,
magias?
– O que quiserem, mas saibam que os
técnicos irão mudar as condições iniciais da arena, não só de temperatura, além
claro de introduzirem alguns incentivos – o sorriso de Abel após a frase
beirava ao sadismo. – Cada equipe terá um minuto após a minha saída para
elaborarem suas estratégias. Enquanto o tempo transcorrer, uma parede de areia
subirá, para que não vejam a estratégia dos demais. Quando a arena voltar ao
normal, o sino será tocado e iniciaremos o teste. Alguém não entendeu? – Não houve
resposta.
– Portanto, as equipes serão as
seguintes: Borg, Mira e Tecios, formarão a equipe A; Alásia, Ilron e Susanah
formarão a equipe B; Mocius, Milena e Lair formarão a equipe C e, finalmente,
Carina, Valeria e Otto formarão a equipe D.
Alásia não conseguiu conter a
satisfação na escolha de sua equipe. Ilron e Susanah eram as pessoas com as
quais se dava melhor junto com Mira e não teriam dificuldades em se entrosar. As outras equipes também tinham seus
méritos. O time C tinha o anão Mocius, que certamente era o mais forte deles,
mas podia-se esperar algo de Mira ou de Valéria, a outra representante dos
elfos.
Abel saiu com os demais técnicos da
arena e subiram em um platô que tinha uma visão de todo o ginásio – era semelhante
a uma tribuna dentro de um coliseu. Eles ativaram poderes das runas e círculos
de magia cobriram toda a arena. Três bandeiras surgiram atrás de cada uma das
equipes, cada equipe tinha uma outra na extremidade oposta e duas nas laterais.
O teto da arena mudou para um sol intenso e do chão a areia pulou um pouco. Simulariam
um deserto, era como se o sol realmente estivesse ali. Alásia
já tinha visto várias simulações no ginásio do fogo, desde lava e vulcões a correntes
de fogo, mas o deserto não era bem o elemento fogo que esperava. Haveria calor,
muito calor.
A voz de Abel se propagou por todo o
ginásio e ele disse:
– A partir de agora vocês terão um
minuto e neste tempo não poderão ver os seus adversários. Haverá tempo
suficiente para elaborarem suas estratégias. Após isso, terão visibilidade
total. Devo lhes dizer que a cada minuto que passar, o calor irá aumentar,
então quanto mais rápido um time conseguir as três bandeiras, menos calor vocês
sentirão – ele tentou disfarçar o riso.
Certamente
não estava falando de um calor comum – Alásia pensou.
Uma cortina de areia subiu e Alásia
não via nada além de seus amigos. Foi Ilron que sugeriu um ataque.
– Acho que devemos mandar um de nós
atrás de uma bandeira e os demais ficam na defesa. Quando o primeiro voltar,
outro vai – disse Ilron.
– Não sei se seria uma boa ideia,
Ilron – argumentou Alásia. Se mandarmos somente um, será fácil para um time
eliminá-lo do jogo, e se houver alguma armadilha não terá como alguém ajudá-lo,
ficaremos mais fracos, e se ficarmos na defesa perderemos as nossas bandeiras.
– Concordo com Alásia, talvez
devamos ir com dois atacantes – disse Susanah.
– Acho que vocês dois devem ir e
evitar um confronto direto. Eu fico aqui na defesa, acho que qualquer que seja
o time, posso segurá-lo por alguns instantes – afirmou Alásia.
Ilron analisou as probabilidades e
concordou com Alásia.
– Mas e se todos os times vierem em
sua direção, quando verificarem que há somente uma pessoa na defesa?
– Nesse caso teremos muito azar –
disse Susanah, que arrancou sorriso dos outros dois.
Quando o placar apitou, a poeira
baixou e Ilron, junto com Susanah, correu para o centro. O grupo C de Mocius e
o de grupo A de Borg chegaram ao centro com os três participantes, e o de Otto
teve somente ele. Todos se estudavam e esperavam os movimentos dos demais, até
que Mocius atacou Mira com seus machados. Isso foi o suficiente para que Otto
corresse para onde estavam as bandeiras de Mocius, contornando o grupo, que pareceu
não se importar com ele. Ilron acenou para que Susanah o acompanhasse e
seguiram Otto, evitando o confronto com os dois grupos que se digladiavam.
Ilron estava a alguns metros de Otto,
e quando este se aproximou das bandeiras, o chão sob seus pés modificou-se e
ele ficou preso na armadilha. Com certeza
foi obra de Milena, ela tem facilidade para manipular terra ou areia –
pensou Ilron ao ver o amigo preso. Quando Otto se concentrou tentando utilizar
sua magia para se lançar dali, uma enorme mão saiu da areia e o agarrou,
imobilizando-o.
Susanah olhou para Ilron e lançou
gelo ao chão, congelando o terreno.
– Vá Ilron, que lhe dou cobertura. Ele não hesitou
e correu sobre a pista de gelo e outra mão gigante de areia surgiu, mas Susanah
a destruiu com sua magia. Ilron chegou até as bandeiras e pegou uma delas. Ao
retirá-la, o objeto tremeu em suas mãos e ele arremessou-a para perto de onde
Otto estava preso. A bandeira tremeu e um cão de fogo saiu dela. A criatura
imaterial olhou para os lados como se estivesse a proteger aquele objeto e, ao
ver Otto preso, correu em sua direção. A única coisa que pode fazer foi colocar
o braço à frente da cabeça, a criatura o mordeu e ele desapareceu da arena. A
voz de Abel ecoou no estádio ao dizer:
– Todo aquele que for atingido ou
mordido por uma criatura de fogo estará automaticamente eliminado. Ilron sabia
que Abel estava sorrindo
Susanah destruiu o cão de fogo com
um raio de gelo.
Alásia observava ansiosa o grupo de
Mocius atacar o grupo A. Eles são
inteligentes, irão neutralizar um grupo ali no centro para não perderem por
ficarem sem bandeiras. Só então virão para cima dos outros dois grupos. Tomara
que Ilron e Susanah já estejam aqui quando isso acontecer – pensou.
Mocius utilizava magia em seus ataques físicos
– isso o deixava mais rápido e mais forte, era sua principal habilidade mágica.
O anão atacava com dois martelos de guerra, enquanto Lair o defendia de
qualquer investida mágica. Lair utilizava magias de gelo, fogo e raio
alternadamente, Milena reforçava os ataques criando pequenos golens de areia, e
quatro deles atacavam Borg. Eles estão
sendo impetuosos e intensos – pensou Alásia.
A velocidade e força de Mocius estavam tão
amplificadas por sua magia, que não permitiam que Mira e Tecios atacassem. O
anão era muito rápido, os dois ficavam numa postura defensiva quando tentavam
revidar, mas eram repudiados pelas defesas de Lair. O mesmo acontecia com Borg.
Eles
são com uma lança, com Mocius à frente e os outros dois na base, Lair na defesa
e Milena num ataque à distância. Devo preparar minhas defesas e já sei como
irei fazer isso. Estou perdendo tempo, eles foram muito mais rápidos.
Alásia fez alguns círculos no chão
enquanto dizia algumas palavras mágicas.
Ilron pegou a bandeira e olhou para
a batalha que se desenhava no centro. A
equipe que vencer irá partir para cima de Alásia, então temos que ser rápidos.
– Susanah, vamos para a bandeira do
grupo de Tecios. Com ela teremos duas, depois se tivermos tempo buscaremos a
terceira. Caso contrário, ajudaremos Susanah a se defender.
Ilron e Susanah correram para o seu
lado direito evitando o centro, ao mesmo tempo em que o Grupo D enviou Valéria,
deixando Carina sozinha. A elfa correu para onde Otto tombou.
No centro, Borg não viu o braço de
areia que surgiu nas suas costas, pois estava combatendo os pequenos golens. Ele
somente sentiu o impacto de ser arremessado para longe. Os golens correram e
ele utilizou magia para destruir os primeiros, mas a mão de areia que o acertou
já preparava outro golpe. Tenho pouco
tempo – pensou. Usou uma magia de vento que arremessou as criaturas longe,
a cortina de ar subiu e segurou a mão que se preparava para golpeá-lo. Neste
instante sentiu um outro baque nas costas. Era Lair, que o atacou com magia,
mas ao tentar se levantar sentiu a ponta de madeira da lança de Milena
golpeá-lo na cabeça. Tudo ficou turvo e ele desmaiou, sendo eliminado da arena.
Quando a ampulheta anunciou três
minutos, o calor na arena subiu vertiginosamente. Tudo está acontecendo muito rápido, o calor já está ficando
insuportável – pensou Ilron. Até então todos pareciam não sentir, mas agora
sugava a energia deles.
Susanah projetou gelo no chão,
embora o calor não fosse permitir que ficasse muito tempo ali. Nada aconteceu. Então
ela lançou algumas lanças de gelo nas bandeiras, mas novamente nada mudou.
– Será que eles não deixaram
armadilhas, Ilron?
– Não creio Susanah, mas estamos sem
tempo.
Ilron correu. Uma sombra surgiu na sua frente, aos
poucos ela tomou forma e era idêntica a ele. Ilron sorriu e sua réplica sorriu
em resposta. Susanah colocou-se em auxílio do parceiro e outra sombra surgiu à
sua imagem. Invocar cópias de si é uma
magia que somente Mira domina completamente e ela somente ensinou a mim alguns
dias atrás, provavelmente se estiver me vendo está rindo – pensou.
Onde Otto tombou, a armadilha feita
por Milena já havia sido desfeita. Quando Valeria chegou, não havia muito o que
fazer além de pegar a bandeira e se preparar para a criatura que saísse dali.
Um cão semelhante ao outro saiu, mas
a bandeira continuou tremendo até que um segundo cão surgiu e os dois correram
para atacá-la. Esquivou-se graciosamente pelo meio dos dois e a lâmina de sua
espada cortou o primeiro ao meio. Antes que ele se reconstituísse, a arma
absorveu todo aquele fogo para a lâmina e a criatura desapareceu. Não demorou
para que ela fizesse a mesma coisa ao outro cão. Sua agilidade élfica é inigualável entre nós – pensou Alásia.
Os golpes de Mocius eram incessantes
– Mira e Tecios esquivavam-se com dificuldade, às vezes tentavam cercá-lo, mas
era inviável, ele os repelia. Os escudos de ambos estavam praticamente
destruídos. Mesmo sendo dois, o anão tinha o suporte de Lair e Milena. Tecios
tinha sido jogado ao chão. Mira se posicionou para defender o amigo, quando
Mocius dirigiu-lhe um golpe que acertou o seu peito. Neste instante ela se
desfez no ar, era uma sombra. Mira tinha aproveitado o instante em que Lair foi
ajudar Milena contra Borg e criou uma sombra para atacá-lo. Quando ela fez isso? –
pensou Mocius. Teve pouco tempo para se virar e tentar esquivar, mas várias
outras cópias de Mira corriam em sua direção para golpeá-lo. Ele se defendia e
atacava ao mesmo tempo, destruindo algumas, mas outras surgiam. Perdi o foco por instantes e ela já está no
contra-ataque. Mira é muito ágil e esperta, tenho que tomar cuidado –
pensou o anão.
Do lado esquerdo da arena, Ilron lutava contra
sua cópia. Ela não vai me dar muito
trabalho, mas estou ficando sem tempo – pensou. Esperou a sombra atacá-lo e
se esquivou, em seguida decepou-lhe a cabeça, ajudou Susanah a se livrar da que
a incomodava e ambos chegaram juntos ao conjunto de bandeiras.
No centro, as sombras de Mira não
eram rápidas o bastante e Mocius já havia destruído quase todas que o cercavam,
faltavam apenas três, e uma era Mira. Tecios se defendia agora de Lair, Milena
e seus golens, mas aos olhos de Alásia ele estava em séria desvantagem, porque
suas magias eram repelidas. Não demorou para que fosse cercado com um golpe na
cabeça. Ficou inconsciente e desapareceu. Do grupo A só restava Mira.
Ilron pegou a bandeira e jogou-a ao
chão. Susanah preparou-se para congelar o que quer que saísse, mas quando ela
parou de tremer, a criatura que saiu de lá foi extremamente rápida, indo em
direção a Ilron. Era um rinoceronte de fogo. Susanah postou-se para atacá-lo,
mas sentiu um mordida em sua perna e foi eliminada, desaparecendo do ginásio.
Valéria ria enquanto corria em
direção à outra bandeira. Ela já carregava uma em suas costas e havia liberado
um dos cães, que sua espada absorvera antes nos pés de Susanah. Agora as duas
criaturas investiam contra Ilron, enquanto ela jogava a outra bandeira no chão
e observava atentamente o que sairia dali. Era uma ave com uns dois metros de
altura, que voou e desceu rasante em sua direção. Ela arremessou a espada na
esperança de que absorvesse a criatura, mas esta esquivou.
Ilron conseguiu congelar os cães. O rinoceronte não será subjugado tão
facilmente – pensou.
Houve o sinal de cinco minutos e o
que parecia impossível ocorreu – o calor aumentou. Todos estavam sentindo dificuldades
em se movimentar e respirar, o suor descia por suas cabeças como cachoeiras.
Mira estava cercada pelos três,
cansada e desgastada pelo calor, e não esperou o próximo ataque de Mocius. Deu
as costas para eles e correu em direção a Carina. Esta apenas observava o
conflito, não esperava a investida, mas suas armadilhas estavam prontas – havia
colocado várias minas mágicas no chão. Um passo em falso de qualquer adversário
e seriam detonadas, mas sua surpresa foi maior quando viu várias Miras vindo em
sua direção, tombando uma a uma nas minas que haviam sido colocadas. Foi uma jogada inteligente – pensou
Carina. Suas minas causavam uma pequena explosão mágica que atordoaria um
inimigo, mas nenhuma acertou Mira, apenas suas sombras.
Mira saltou sobre ela, mas não a
atacou. Ao invés disto, pegou todas as bandeiras e arremessou-as em direção ao
grupo de Mocius. Os objetos tremeram no chão – um touro, quatro cães e um
dragão de fogo saíram.
Mocius e seu grupo se surpreenderam
com a jogada de Mira e tiveram que se organizar para a defesa. Carina aproveitou
a distração e recolocou uma das bandeiras no lugar, não poderia deixar que
todos os três grupos a pegassem.
Valéria esquivou-se de duas
investidas da ave que insistia em lhe atacar, mas após o segundo ataque, quando
esta elevou-se no ar para fazer uma curva e preparar o próximo ataque, Valéria
se preparou. A ave desceu num rasante que lhe dava mais e mais velocidade, a
maga jogou várias lanças de gelo, justamente para alterar a direção do vôo. A
mudança foi pequena, mas o suficiente para que ela preparasse sua espada e a
cortasse ao meio, absorvendo para dentro da arma todo o poder da criatura.
Ilron estava próximo à murada da
arena esperando que o grande rinoceronte corresse em sua direção mais uma vez. A
criatura parecia movida por um desejo incontrolável de feri-lo. Sua velocidade
crescia a cada passada e Ilron focava-se apenas nos movimentos da estranha
criatura. Devo ser rápido e preciso, mal consigo respirar. Devo concentrar bastante magia em meu corpo
para suportar o ataque – pensou.
Suas mãos incendiaram e quando a
criatura iria atingi-lo, ele segurou seu chifre, apoiando-se em suas pernas que
cederam uns dois passos, até que pararam firmando-se na parede. A criatura
bufava como se estivesse realmente viva e frustrada. Ele podia sentir o hálito
fétido que ela emanava, achou que iria queimar. Olhou em seus olhos em chamas,
e projetou a perna direita à frente. Passou a perna esquerda para trás e girou
o corpo, tombando a criatura ao chão. Suas mãos que estavam em chamas mudaram
de tonalidade para azul, e rapidamente ele congelou a criatura.
Ele pegou a bandeira e olhou para o
outro lado do campo – as criaturas de fogo lutando contra todos. Então o
marcador anunciou oito minutos. Sua garganta secou, a testa parecia uma
chaleira, e ele não conseguia mais respirar. Era como se a cada inspiração um
vapor quente e seco entrasse em seus pulmões. Viu Mira correr para onde estava
a bandeira do grupo de Mocius e Lair, e sabia que se ela pegasse a bandeira, o
grupo dele perderia e seriam eliminados da arena. Restariam ele e Alásia contra
as outras três. Então será melhor levar as duas bandeiras para o
meu campo e preparar uma investida – pensou.
Quando Mira percebeu que Lair estava
atrás dela, teve que parar. Não poderia receber um ataque pelas costas, já
estava com uma das bandeiras de Carina, e havia deixado o grupo deles bem
ocupado. Agora era hora de se defender.
Mocius havia eliminado todos os cães
e o touro de fogo, mas o dragão havia atacado apenas uma vez. Agora sobrevoava
a todos, sem atacar. Era o momento de ajudar Milena, que estava num duelo mágico
contra Carina. Todas as investidas desta última não pareciam causar nenhum
efeito em Milena, que repudiava todos os ataques. Mocius não precisou de muito
esforço para nocauteá-la enquanto se defendia. Aos poucos, estavam eliminando
todos os adversários, mas o tempo estava no fim.
Valéria vinha em direção a Milena. Ao
vê-la erguer sua espada e dela sair uma ave de fogo, Mocius teve tempo para
gritar para a companheira, que se esquivou a tempo. Ninguém mais conseguia se
locomover com facilidade sem gastar muita energia física e mágica.
Ilron prendeu as duas bandeiras em
seu campo, sorriu com dificuldade para Alásia e disse:
– Parece que não vamos precisar das
suas armadilhas. Valéria é a única do grupo D e Mira a única do grupo A. O
grupo de Mocius está completo, mas está cansado e fraco. É a nossa chance.
– Até que enfim vou participar da
ação, então?
– Vamos atacar Mocius, se esta arena
nos permitir continuar respirando.
Lair e Mira estavam completamente exaustos e
extremamente ofegantes, quase não tinham forças para utilizar mais magias. Ele
tentava atacá-la e ela se defendia da ferocidade de seus ataques, esperando um
momento, até que ele recuou um passo para novamente atacar. Foi o que ela
precisou para fazer levantar uma camada de poeira que o arremessou contra o chão,
cegando-lhe momentaneamente. Quando abriu os olhos, o que viu foi Mira lhe
atacando. Erguendo sua espada, ele esquivou do ataque e virou-se para atacá-la.
Agora estava na vantagem, quando sentiu uma pancada na cabeça e apagou no mesmo
instante. Mais tarde ele iria descobrir que o primeiro ataque que recebera era
de mais uma sombra de Mira.
Mira correu para pegar a bandeira ao
lado de Mocius – se eu pegar aquela bandeira,
o grupo do anão é eliminado. Correu e quando o dragão de fogo se colocou
entre ela e a bandeira, não atacou. Apenas ficou ali, em defesa. Olhando-o nos
olhos, ela não tinha mais energia mágica para utilizar, sentiu medo ao encarar
a criatura. Seu corpo estava exausto, então apenas caminhou para o seu lado do
campo. A criatura pareceu concordar e não atacou.
Ilron e Alásia entraram na batalha
que até então era apenas de Valeria. Foi como um pacto, eram um novo grupo.
Milena já havia destruído a ave de fogo.
Alásia ergueu as mãos e pequenos
raios foram disparados contra Milena, que defendia um a um. Mocius continuava a
concentrar sua energia mágica para deixar seu corpo mais forte e mais veloz,
mas agora pareciam meros espasmos se comparados com antes. Ele desenvolvia seus
ataques contra Ilron e Valéria, que se defendiam, mas nem de longe levava a
vantagem que teve antes. Pelo contrário, eram eles quem o atacavam. O nono minuto foi anunciado, e todos
eles tombaram ao chão, sem exceção. O calor praticamente havia dobrado. Não
conseguiam respirar, e foi aí que o dragão alçou voo e mergulhou para atacá-los.
Indistintamente, todos se esforçavam para apenas se defender, já que cada
movimento demandava uma quantidade significativa de forças. Até mesmo as
tentativas de defesa pareciam movimentos distorcidos – eram desajeitados e
débeis. Alásia aproveitou-se da oportunidade para disparar mais alguns de seus
raios – um deles arremessou Mocius longe, mas ele se levantou. Quando o segundo
iria atingi-lo, Milena o repeliu com outro raio.
Milena não pareceu querer contra-atacar.
É este o momento de vencê-los –
pensou Alásia. Ela estava mais descansada, não havia utilizado muito de sua
magia, mas, no momento em que iria atacá-los, o dragão desceu em sua direção, e
foi o suficiente para que ela se jogasse de lado. Arremessou cristais de gelo
na criatura, que não causaram nenhum efeito, e disparou pequenos raios, mas
nada parecia feri-lo. Valeria arremessou sua espada na esperança de ajudar
Alásia e matar a criatura, mas com um movimento de sua enorme cauda, o dragão
jogou a arma ao chão. Enquanto ele virava, Ilron colocou-se para ajudar Alásia.
Iria segurá-lo tal qual fez com o touro.
O dragão desceu e seus movimentos de
asas cortavam o vento, fazendo-o gritar como uma criança que havia visto o
abominável. As mãos de Ilron estavam em chamas e a criatura investiu contra os
dois. Alásia utilizava magia de gelo, algumas estacas inúteis. No momento do
golpe, o elfo gritou – não teve forças para segurar a besta de fogo e ela o
atingiu. O eco do grito foi o que ficou, e ele desapareceu da arena.
O dragão ergueu-se novamente a
alguns metros e voltou. Alásia se preparou. Ele iria atacá-la e ela iria fazer
a mesma tentativa de Ilron, mesmo tendo dado errado. Suas mãos incendiaram. Ela
respirou uma confiança inabalável e posicionou-se. O dragão parecia vir com
mais velocidade que antes. Todos apenas observavam, incrédulos. Ela olhava para
a criatura, esperando o golpe que viria em segundos, quando o dragão parou a um
metro dela e olhou-a nos olhos. Ela percebeu que ele a havia reconhecido, havia
surpresa e medo. Ficou ali parado olhando em seus olhos – os olhos de fogo dele
a despiam, mexiam com sua alma sem atacá-la. A criatura parecia viva, aliás
cheia de vida, mas não havia mais desafio. Soou o décimo minuto – o dragão
desapareceu e a arena voltou ao normal, sem o calor.
Abel chegou acompanhado de todos os que
foram eliminados. Os dois magos que o haviam ajudado caminhavam na direção dos
que estavam inconscientes e a única coisa que Alásia conseguiu dizer antes de
cair exausta no chão foi:
– O que foi aquilo?
Ninguém respondeu. O silêncio durou
alguns segundos até que Abel disse:
– Amanhã quero todos vocês aqui, no
mesmo horário.
– Mas quem venceu? – perguntou Mira.
– Ninguém.
– O que era aquilo? – perguntaram Mira
e Alásia ao mesmo tempo.
– Nada.
Ao dizer estas palavras, ele saiu da arena. Ninguém
entendeu o motivo do mistério e da partida dele assim, tão rapidamente, mas não
falaram nada. Com uma dificuldade visível, dirigiram-se para seus aposentos.
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