segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

CAPÍTULO 2

Pessoal segue o capítulo 2 boa leitura.

CAPÍTULO 2
ALÁSIA E ILRON:



            Era a terceira carta que recebia aquele mês. Estavam todas lacradas na cômoda do quarto – ficavam ali, incomodavam quando eram vistas, mas depois procurava esquecer de tudo e por horas esquecia, até que um pensamento, uma frase, uma imagem ou qualquer outra coisa trouxesse de volta tudo que as envolvia. Embora repetitivo, era sempre um baque, uma queda que tentava evitar a todo custo, mas que sempre a pegava igual uma armadilha – oculta, maliciosa, porém presente – um compromisso adiável somente pelas desculpas, mas que em breve seria cobrado pelo tempo.
            Achou melhor descer com antecedência para o treino, talvez a melancolia passasse. Bastava estar em movimento, repetindo postura a postura, ataque, defesa e certas invocações mágicas, que se esqueceria da família, do seu povo, de seus compromissos, da vida que foi planejada para ela, para que como um ator entrasse no personagem. Não era fácil ser uma princesa, ainda mais uma que não queria ser – pensou.
            Quando desceu as escadas do prédio reservado às mulheres, pegou o caminho do campo de treinamento sul. Bom, ninguém ainda chegou, talvez tenha alguns minutos de paz – pensou.
Conhecia bem o campo sul – de todos os três era o que tinha mais familiaridade. Ficava sob uma grande redoma, o templo da luz. Possuía várias arenas de treino e combate, e cada um deles tinha elementos que lhe eram próprios. O sul era o dos elementos fogo e terra, e a arena norte – Bem, aquilo não era bem uma arena. Toda vez que pensava a respeito tinha vontade de questionar este fato. Oito círculos de um material que parecia vidro, em níveis diferentes, separados por alguns metros de distância, mas nunca lado a lado, sustentados no ar por magia numa queda de cem metros. Quando explicava isso para meus familiares, parecia lhes dar nó na cabeça e logo cessavam as perguntas. Mas a arena do vento possuía seu charme e seus perigos. Agora a outra arena, definitivamente não era a minha preferida – apenas um lago com arquibancadas grandes em volta. Porém abaixo, metros e mais metros de profundidade, podia-se encontrar qualquer tipo de ser aquático. Um dia via-se claramente a água, no outro não. Em alguns casos, a água ficava lodosa, barrenta e até mesmo congelante. Irei sentir tanta falta de tudo isso.
A arena sul, um grande coliseu fechado, simulava, com o auxílio de poder mágico de runas, vários ambientes de treino. Era o instrutor e sua equipe, através destas runas, que modificavam o cenário. Podia-se esperar qualquer coisa, desde mudanças drásticas no chão e no ambiente até o aparecimento de lava e tornados de fogo.
Tudo isto tinha duas finalidade básicas e algumas outras a critério do instrutor. A primeira era deixar o mago resistente a ataques daqueles elementos – a partir do momento em que estivesse habituado aos elementos, ele podia mais facilmente manipulá-los. A segunda finalidade era fazer com o que o mago assimilasse os pontos fortes e fracos dos elementos e utilizasse-os em combate – o elemento água tinha como ponto forte a adaptabilidade e como ponto fraco o não confronto, já o fogo tinha como ponto forte a fúria, a intensidade, mas seu fraco era a insensatez.
            Naquele campo ela se sentia em paz, sua natureza estava ali, nua. Podia sentir seu sangue pulsando e o gosto da vitória. Somente havia perdido duas vezes naquela arena, as duas para Ilron. Outras tantas vezes tinha ganhado de todos no cenário que lhe era mais familiar. Amava a amizade de Ilron, e o fato de tê-lo derrotado ali não interferia na amizade de ambos, ao contrário a estimulava – ele era seu amigo, seu confidente, sua rocha. Nunca pensou que teria como melhor amigo um elfo, mas ele havia sido um porto seguro nos seis anos em que estiveram ali.
            Sabia que em breve Ilron e os demais chegariam. Talvez o combate de hoje na arena do fogo fosse a última chance de derrotá-lo mais uma vez. O elfo não aceita uma derrota tão fácil, como será bom vê-lo irritado! Infelizmente no próximo verão estaremos graduados e ele voltará para os elfos, com quem tão pouco esteve e eu, bom, melhor não pensar nisso.
            Enquanto esperava, Alásia lembrou-se do dia em que chegou ao templo da Luz. Vinha pela floresta, toda a viagem transcorreu sem assombros, tinha doze anos e durante o período final de seu trajeto optou por vir cavalgando. Lembrou-se da sensação de observar do alto da montanha os portões e torres. Descera por um caminho curto que mal era suficiente para as carruagens que a acompanhavam, foram cinco quilômetros de uma descida perigosa e lenta. Quando chegou em frente aos portões, ficou boquiaberta com o tamanho. A magnitude da construção a encantava, e ao lado dos portões duas figuras foram esculpidas nas rochas da muralha – um casal, de um lado um homem ajoelhado em apenas um dos joelhos e do outro uma mulher fazendo uma reverência, representavam o guardião e a serviçal, defesa e auxílio, os motes do templo da luz.
            Abel, o homem que guiava a comitiva e seu futuro instrutor, disse algumas palavras em élfico na ocasião e os portões de quarenta metros deslocaram sua grande estrutura. Um vento frio fugiu lá de dentro. Dois quilômetros de planície se estendiam até os vilarejos, centenas de casas idênticas com tetos de palha e acabamentos em madeira num típico visual do campo, separadas em quadras e ruas calçadas de pedra. As únicas construções que se diferenciavam eram as voltadas para os mais variados comércios, mas nada que descaracterizasse a unidade do local.
            A pequena vila servia como suporte ao templo. Todos que moravam ali de alguma forma trabalhavam lá direta ou indiretamente. Todos conheciam os alunos do templo e o contrário era verdadeiro. Havia vida nas ruas e cordialidade.
            Lembrou-se de ter corrido muito até que chegasse às construções do templo. Admirou-se não com a beleza – aliás o local padecia disso – na verdade o que se via era grandiosidade, torres e mais torres góticas sem uma disposição preestabelecida, como se tivessem sido colocadas de forma caótica. Não dava para entender a disposição delas, mas isto acrescentava mistério ao lugar. Depois das torres e de cinco grandes prédios, havia as três arenas de treinamento, à frente uma pequena planície e mais ao longe, onde a vista fazia força para chegar, estava o pico do trovão – local mágico e sagrado para o templo, cujo acesso somente era possível aos grandes mestres. A lembrança foi interrompida por vozes.
            Ilron chegou e com seu jeito brincalhão abraçou Alásia:
            – Pelo visto alguém andou treinando hoje.
Ela sorriu e respondeu:
            – Não tive tempo, vocês chegaram mais cedo.
            – Não fui somente eu – ele gesticulou com os olhos e ela viu Abel, seus auxiliares e os demais amigos chegando. Quando todos estavam no centro da arena, Abel se posicionou para falar. Alásia observava aquele homem negro de cabelos curtos que usava uma grande capa branca. Ela sempre se impressionava com o andar altivo dele, mas o que mais lhe chamava atenção eram os grandes dentes brancos, que pareciam ser esculpidos. Eles podem cortar couro ou osso facilmente.
            – Hoje faremos um treinamento em trios, pois queremos avaliar o trabalho de vocês em equipe. Dividiremos quatro equipes e cada uma ficará em um ponto extremo da arena. Cada equipe terá três bandeiras para defender, e ganha quem tiver o maior número de bandeiras que não sejam as suas. Vocês terão dez minutos. – Ao ver que todos captavam suas palavras, continuou:
            – A equipe que estiver pensando em se defender exclusivamente perderá uma bandeira a cada dois minutos e a equipe que perder suas três bandeiras será automaticamente excluída. Para que uma bandeira seja considerada ganhada ou perdida, ela tem que estar em um dos campos adversários ou no próprio. Todos entenderam as regras?
Todos concordaram.
– Se os três participantes de uma equipe ficarem sem condições de continuar serão eliminados. Se entenderam irei partir para a divisão de equipes.
            Otto perguntou:
            – O que poderá ser utilizado? Armas, magias?
            – O que quiserem, mas saibam que os técnicos irão mudar as condições iniciais da arena, não só de temperatura, além claro de introduzirem alguns incentivos – o sorriso de Abel após a frase beirava ao sadismo. – Cada equipe terá um minuto após a minha saída para elaborarem suas estratégias. Enquanto o tempo transcorrer, uma parede de areia subirá, para que não vejam a estratégia dos demais. Quando a arena voltar ao normal, o sino será tocado e iniciaremos o teste. Alguém não entendeu? – Não houve resposta.
            – Portanto, as equipes serão as seguintes: Borg, Mira e Tecios, formarão a equipe A; Alásia, Ilron e Susanah formarão a equipe B; Mocius, Milena e Lair formarão a equipe C e, finalmente, Carina, Valeria e Otto formarão a equipe D.
            Alásia não conseguiu conter a satisfação na escolha de sua equipe. Ilron e Susanah eram as pessoas com as quais se dava melhor junto com Mira e não teriam dificuldades em se entrosar. As outras equipes também tinham seus méritos. O time C tinha o anão Mocius, que certamente era o mais forte deles, mas podia-se esperar algo de Mira ou de Valéria, a outra representante dos elfos.
            Abel saiu com os demais técnicos da arena e subiram em um platô que tinha uma visão de todo o ginásio – era semelhante a uma tribuna dentro de um coliseu. Eles ativaram poderes das runas e círculos de magia cobriram toda a arena. Três bandeiras surgiram atrás de cada uma das equipes, cada equipe tinha uma outra na extremidade oposta e duas nas laterais. O teto da arena mudou para um sol intenso e do chão a areia pulou um pouco. Simulariam um deserto, era como se o sol realmente estivesse ali.  Alásia já tinha visto várias simulações no ginásio do fogo, desde lava e vulcões a correntes de fogo, mas o deserto não era bem o elemento fogo que esperava. Haveria calor, muito calor.
            A voz de Abel se propagou por todo o ginásio e ele disse:
            – A partir de agora vocês terão um minuto e neste tempo não poderão ver os seus adversários. Haverá tempo suficiente para elaborarem suas estratégias. Após isso, terão visibilidade total. Devo lhes dizer que a cada minuto que passar, o calor irá aumentar, então quanto mais rápido um time conseguir as três bandeiras, menos calor vocês sentirão – ele tentou disfarçar o riso.
Certamente não estava falando de um calor comum – Alásia pensou.
            Uma cortina de areia subiu e Alásia não via nada além de seus amigos. Foi Ilron que sugeriu um ataque.
            – Acho que devemos mandar um de nós atrás de uma bandeira e os demais ficam na defesa. Quando o primeiro voltar, outro vai – disse Ilron.
            – Não sei se seria uma boa ideia, Ilron – argumentou Alásia. Se mandarmos somente um, será fácil para um time eliminá-lo do jogo, e se houver alguma armadilha não terá como alguém ajudá-lo, ficaremos mais fracos, e se ficarmos na defesa perderemos as nossas bandeiras.
            – Concordo com Alásia, talvez devamos ir com dois atacantes – disse Susanah.
            – Acho que vocês dois devem ir e evitar um confronto direto. Eu fico aqui na defesa, acho que qualquer que seja o time, posso segurá-lo por alguns instantes – afirmou Alásia.
            Ilron analisou as probabilidades e concordou com Alásia.
            – Mas e se todos os times vierem em sua direção, quando verificarem que há somente uma pessoa na defesa?
            – Nesse caso teremos muito azar – disse Susanah, que arrancou sorriso dos outros dois.
            Quando o placar apitou, a poeira baixou e Ilron, junto com Susanah, correu para o centro. O grupo C de Mocius e o de grupo A de Borg chegaram ao centro com os três participantes, e o de Otto teve somente ele. Todos se estudavam e esperavam os movimentos dos demais, até que Mocius atacou Mira com seus machados. Isso foi o suficiente para que Otto corresse para onde estavam as bandeiras de Mocius, contornando o grupo, que pareceu não se importar com ele. Ilron acenou para que Susanah o acompanhasse e seguiram Otto, evitando o confronto com os dois grupos que se digladiavam.
            Ilron estava a alguns metros de Otto, e quando este se aproximou das bandeiras, o chão sob seus pés modificou-se e ele ficou preso na armadilha. Com certeza foi obra de Milena, ela tem facilidade para manipular terra ou areia – pensou Ilron ao ver o amigo preso. Quando Otto se concentrou tentando utilizar sua magia para se lançar dali, uma enorme mão saiu da areia e o agarrou, imobilizando-o.
            Susanah olhou para Ilron e lançou gelo ao chão, congelando o terreno.
– Vá Ilron, que lhe dou cobertura. Ele não hesitou e correu sobre a pista de gelo e outra mão gigante de areia surgiu, mas Susanah a destruiu com sua magia. Ilron chegou até as bandeiras e pegou uma delas. Ao retirá-la, o objeto tremeu em suas mãos e ele arremessou-a para perto de onde Otto estava preso. A bandeira tremeu e um cão de fogo saiu dela. A criatura imaterial olhou para os lados como se estivesse a proteger aquele objeto e, ao ver Otto preso, correu em sua direção. A única coisa que pode fazer foi colocar o braço à frente da cabeça, a criatura o mordeu e ele desapareceu da arena. A voz de Abel ecoou no estádio ao dizer:
            – Todo aquele que for atingido ou mordido por uma criatura de fogo estará automaticamente eliminado. Ilron sabia que Abel estava sorrindo
            Susanah destruiu o cão de fogo com um raio de gelo.
            Alásia observava ansiosa o grupo de Mocius atacar o grupo A. Eles são inteligentes, irão neutralizar um grupo ali no centro para não perderem por ficarem sem bandeiras. Só então virão para cima dos outros dois grupos. Tomara que Ilron e Susanah já estejam aqui quando isso acontecer – pensou.
             Mocius utilizava magia em seus ataques físicos – isso o deixava mais rápido e mais forte, era sua principal habilidade mágica. O anão atacava com dois martelos de guerra, enquanto Lair o defendia de qualquer investida mágica. Lair utilizava magias de gelo, fogo e raio alternadamente, Milena reforçava os ataques criando pequenos golens de areia, e quatro deles atacavam Borg. Eles estão sendo impetuosos e intensos – pensou Alásia.
             A velocidade e força de Mocius estavam tão amplificadas por sua magia, que não permitiam que Mira e Tecios atacassem. O anão era muito rápido, os dois ficavam numa postura defensiva quando tentavam revidar, mas eram repudiados pelas defesas de Lair. O mesmo acontecia com Borg.
            Eles são com uma lança, com Mocius à frente e os outros dois na base, Lair na defesa e Milena num ataque à distância. Devo preparar minhas defesas e já sei como irei fazer isso. Estou perdendo tempo, eles foram muito mais rápidos.
            Alásia fez alguns círculos no chão enquanto dizia algumas palavras mágicas.
            Ilron pegou a bandeira e olhou para a batalha que se desenhava no centro. A equipe que vencer irá partir para cima de Alásia, então temos que ser rápidos.
            – Susanah, vamos para a bandeira do grupo de Tecios. Com ela teremos duas, depois se tivermos tempo buscaremos a terceira. Caso contrário, ajudaremos Susanah a se defender.
            Ilron e Susanah correram para o seu lado direito evitando o centro, ao mesmo tempo em que o Grupo D enviou Valéria, deixando Carina sozinha. A elfa correu para onde Otto tombou.
            No centro, Borg não viu o braço de areia que surgiu nas suas costas, pois estava combatendo os pequenos golens. Ele somente sentiu o impacto de ser arremessado para longe. Os golens correram e ele utilizou magia para destruir os primeiros, mas a mão de areia que o acertou já preparava outro golpe. Tenho pouco tempo – pensou. Usou uma magia de vento que arremessou as criaturas longe, a cortina de ar subiu e segurou a mão que se preparava para golpeá-lo. Neste instante sentiu um outro baque nas costas. Era Lair, que o atacou com magia, mas ao tentar se levantar sentiu a ponta de madeira da lança de Milena golpeá-lo na cabeça. Tudo ficou turvo e ele desmaiou, sendo eliminado da arena.
            Quando a ampulheta anunciou três minutos, o calor na arena subiu vertiginosamente. Tudo está acontecendo muito rápido, o calor já está ficando insuportável – pensou Ilron. Até então todos pareciam não sentir, mas agora sugava a energia deles.
            Susanah projetou gelo no chão, embora o calor não fosse permitir que ficasse muito tempo ali. Nada aconteceu. Então ela lançou algumas lanças de gelo nas bandeiras, mas novamente nada mudou.
            – Será que eles não deixaram armadilhas, Ilron?
            – Não creio Susanah, mas estamos sem tempo.
Ilron correu. Uma sombra surgiu na sua frente, aos poucos ela tomou forma e era idêntica a ele. Ilron sorriu e sua réplica sorriu em resposta. Susanah colocou-se em auxílio do parceiro e outra sombra surgiu à sua imagem. Invocar cópias de si é uma magia que somente Mira domina completamente e ela somente ensinou a mim alguns dias atrás, provavelmente se estiver me vendo está rindo – pensou.
            Onde Otto tombou, a armadilha feita por Milena já havia sido desfeita. Quando Valeria chegou, não havia muito o que fazer além de pegar a bandeira e se preparar para a criatura que saísse dali.
            Um cão semelhante ao outro saiu, mas a bandeira continuou tremendo até que um segundo cão surgiu e os dois correram para atacá-la. Esquivou-se graciosamente pelo meio dos dois e a lâmina de sua espada cortou o primeiro ao meio. Antes que ele se reconstituísse, a arma absorveu todo aquele fogo para a lâmina e a criatura desapareceu. Não demorou para que ela fizesse a mesma coisa ao outro cão. Sua agilidade élfica é inigualável entre nós – pensou Alásia.
            Os golpes de Mocius eram incessantes – Mira e Tecios esquivavam-se com dificuldade, às vezes tentavam cercá-lo, mas era inviável, ele os repelia. Os escudos de ambos estavam praticamente destruídos. Mesmo sendo dois, o anão tinha o suporte de Lair e Milena. Tecios tinha sido jogado ao chão. Mira se posicionou para defender o amigo, quando Mocius dirigiu-lhe um golpe que acertou o seu peito. Neste instante ela se desfez no ar, era uma sombra. Mira tinha aproveitado o instante em que Lair foi ajudar Milena contra Borg e criou uma sombra para atacá-lo. Quando ela fez isso?  – pensou Mocius. Teve pouco tempo para se virar e tentar esquivar, mas várias outras cópias de Mira corriam em sua direção para golpeá-lo. Ele se defendia e atacava ao mesmo tempo, destruindo algumas, mas outras surgiam. Perdi o foco por instantes e ela já está no contra-ataque. Mira é muito ágil e esperta, tenho que tomar cuidado – pensou o anão.
             Do lado esquerdo da arena, Ilron lutava contra sua cópia. Ela não vai me dar muito trabalho, mas estou ficando sem tempo – pensou. Esperou a sombra atacá-lo e se esquivou, em seguida decepou-lhe a cabeça, ajudou Susanah a se livrar da que a incomodava e ambos chegaram juntos ao conjunto de bandeiras.
            No centro, as sombras de Mira não eram rápidas o bastante e Mocius já havia destruído quase todas que o cercavam, faltavam apenas três, e uma era Mira. Tecios se defendia agora de Lair, Milena e seus golens, mas aos olhos de Alásia ele estava em séria desvantagem, porque suas magias eram repelidas. Não demorou para que fosse cercado com um golpe na cabeça. Ficou inconsciente e desapareceu. Do grupo A só restava Mira.
            Ilron pegou a bandeira e jogou-a ao chão. Susanah preparou-se para congelar o que quer que saísse, mas quando ela parou de tremer, a criatura que saiu de lá foi extremamente rápida, indo em direção a Ilron. Era um rinoceronte de fogo. Susanah postou-se para atacá-lo, mas sentiu um mordida em sua perna e foi eliminada, desaparecendo do ginásio.
            Valéria ria enquanto corria em direção à outra bandeira. Ela já carregava uma em suas costas e havia liberado um dos cães, que sua espada absorvera antes nos pés de Susanah. Agora as duas criaturas investiam contra Ilron, enquanto ela jogava a outra bandeira no chão e observava atentamente o que sairia dali. Era uma ave com uns dois metros de altura, que voou e desceu rasante em sua direção. Ela arremessou a espada na esperança de que absorvesse a criatura, mas esta esquivou.
            Ilron conseguiu congelar os cães. O rinoceronte não será subjugado tão facilmente – pensou.
            Houve o sinal de cinco minutos e o que parecia impossível ocorreu – o calor aumentou. Todos estavam sentindo dificuldades em se movimentar e respirar, o suor descia por suas cabeças como cachoeiras.
            Mira estava cercada pelos três, cansada e desgastada pelo calor, e não esperou o próximo ataque de Mocius. Deu as costas para eles e correu em direção a Carina. Esta apenas observava o conflito, não esperava a investida, mas suas armadilhas estavam prontas – havia colocado várias minas mágicas no chão. Um passo em falso de qualquer adversário e seriam detonadas, mas sua surpresa foi maior quando viu várias Miras vindo em sua direção, tombando uma a uma nas minas que haviam sido colocadas. Foi uma jogada inteligente – pensou Carina. Suas minas causavam uma pequena explosão mágica que atordoaria um inimigo, mas nenhuma acertou Mira, apenas suas sombras.
            Mira saltou sobre ela, mas não a atacou. Ao invés disto, pegou todas as bandeiras e arremessou-as em direção ao grupo de Mocius. Os objetos tremeram no chão – um touro, quatro cães e um dragão de fogo saíram.
            Mocius e seu grupo se surpreenderam com a jogada de Mira e tiveram que se organizar para a defesa. Carina aproveitou a distração e recolocou uma das bandeiras no lugar, não poderia deixar que todos os três grupos a pegassem.
            Valéria esquivou-se de duas investidas da ave que insistia em lhe atacar, mas após o segundo ataque, quando esta elevou-se no ar para fazer uma curva e preparar o próximo ataque, Valéria se preparou. A ave desceu num rasante que lhe dava mais e mais velocidade, a maga jogou várias lanças de gelo, justamente para alterar a direção do vôo. A mudança foi pequena, mas o suficiente para que ela preparasse sua espada e a cortasse ao meio, absorvendo para dentro da arma todo o poder da criatura.
            Ilron estava próximo à murada da arena esperando que o grande rinoceronte corresse em sua direção mais uma vez. A criatura parecia movida por um desejo incontrolável de feri-lo. Sua velocidade crescia a cada passada e Ilron focava-se apenas nos movimentos da estranha criatura. Devo ser rápido e preciso, mal consigo respirar. Devo concentrar bastante magia em meu corpo para suportar o ataque – pensou.
            Suas mãos incendiaram e quando a criatura iria atingi-lo, ele segurou seu chifre, apoiando-se em suas pernas que cederam uns dois passos, até que pararam firmando-se na parede. A criatura bufava como se estivesse realmente viva e frustrada. Ele podia sentir o hálito fétido que ela emanava, achou que iria queimar. Olhou em seus olhos em chamas, e projetou a perna direita à frente. Passou a perna esquerda para trás e girou o corpo, tombando a criatura ao chão. Suas mãos que estavam em chamas mudaram de tonalidade para azul, e rapidamente ele congelou a criatura.
            Ele pegou a bandeira e olhou para o outro lado do campo – as criaturas de fogo lutando contra todos. Então o marcador anunciou oito minutos. Sua garganta secou, a testa parecia uma chaleira, e ele não conseguia mais respirar. Era como se a cada inspiração um vapor quente e seco entrasse em seus pulmões. Viu Mira correr para onde estava a bandeira do grupo de Mocius e Lair, e sabia que se ela pegasse a bandeira, o grupo dele perderia e seriam eliminados da arena. Restariam ele e Alásia contra as outras três. Então será melhor levar as duas bandeiras para o meu campo e preparar uma investida – pensou.
            Quando Mira percebeu que Lair estava atrás dela, teve que parar. Não poderia receber um ataque pelas costas, já estava com uma das bandeiras de Carina, e havia deixado o grupo deles bem ocupado. Agora era hora de se defender.
            Mocius havia eliminado todos os cães e o touro de fogo, mas o dragão havia atacado apenas uma vez. Agora sobrevoava a todos, sem atacar. Era o momento de ajudar Milena, que estava num duelo mágico contra Carina. Todas as investidas desta última não pareciam causar nenhum efeito em Milena, que repudiava todos os ataques. Mocius não precisou de muito esforço para nocauteá-la enquanto se defendia. Aos poucos, estavam eliminando todos os adversários, mas o tempo estava no fim.
            Valéria vinha em direção a Milena. Ao vê-la erguer sua espada e dela sair uma ave de fogo, Mocius teve tempo para gritar para a companheira, que se esquivou a tempo. Ninguém mais conseguia se locomover com facilidade sem gastar muita energia física e mágica.
            Ilron prendeu as duas bandeiras em seu campo, sorriu com dificuldade para Alásia e disse:
            – Parece que não vamos precisar das suas armadilhas. Valéria é a única do grupo D e Mira a única do grupo A. O grupo de Mocius está completo, mas está cansado e fraco. É a nossa chance.
            – Até que enfim vou participar da ação, então?
            – Vamos atacar Mocius, se esta arena nos permitir continuar respirando.
Lair e Mira estavam completamente exaustos e extremamente ofegantes, quase não tinham forças para utilizar mais magias. Ele tentava atacá-la e ela se defendia da ferocidade de seus ataques, esperando um momento, até que ele recuou um passo para novamente atacar. Foi o que ela precisou para fazer levantar uma camada de poeira que o arremessou contra o chão, cegando-lhe momentaneamente. Quando abriu os olhos, o que viu foi Mira lhe atacando. Erguendo sua espada, ele esquivou do ataque e virou-se para atacá-la. Agora estava na vantagem, quando sentiu uma pancada na cabeça e apagou no mesmo instante. Mais tarde ele iria descobrir que o primeiro ataque que recebera era de mais uma sombra de Mira.
            Mira correu para pegar a bandeira ao lado de Mocius – se eu pegar aquela bandeira, o grupo do anão é eliminado. Correu e quando o dragão de fogo se colocou entre ela e a bandeira, não atacou. Apenas ficou ali, em defesa. Olhando-o nos olhos, ela não tinha mais energia mágica para utilizar, sentiu medo ao encarar a criatura. Seu corpo estava exausto, então apenas caminhou para o seu lado do campo. A criatura pareceu concordar e não atacou.
            Ilron e Alásia entraram na batalha que até então era apenas de Valeria. Foi como um pacto, eram um novo grupo. Milena já havia destruído a ave de fogo.
            Alásia ergueu as mãos e pequenos raios foram disparados contra Milena, que defendia um a um. Mocius continuava a concentrar sua energia mágica para deixar seu corpo mais forte e mais veloz, mas agora pareciam meros espasmos se comparados com antes. Ele desenvolvia seus ataques contra Ilron e Valéria, que se defendiam, mas nem de longe levava a vantagem que teve antes. Pelo contrário, eram eles quem o atacavam.            O nono minuto foi anunciado, e todos eles tombaram ao chão, sem exceção. O calor praticamente havia dobrado. Não conseguiam respirar, e foi aí que o dragão alçou voo e mergulhou para atacá-los. Indistintamente, todos se esforçavam para apenas se defender, já que cada movimento demandava uma quantidade significativa de forças. Até mesmo as tentativas de defesa pareciam movimentos distorcidos – eram desajeitados e débeis. Alásia aproveitou-se da oportunidade para disparar mais alguns de seus raios – um deles arremessou Mocius longe, mas ele se levantou. Quando o segundo iria atingi-lo, Milena o repeliu com outro raio.
            Milena não pareceu querer contra-atacar. É este o momento de vencê-los – pensou Alásia. Ela estava mais descansada, não havia utilizado muito de sua magia, mas, no momento em que iria atacá-los, o dragão desceu em sua direção, e foi o suficiente para que ela se jogasse de lado. Arremessou cristais de gelo na criatura, que não causaram nenhum efeito, e disparou pequenos raios, mas nada parecia feri-lo. Valeria arremessou sua espada na esperança de ajudar Alásia e matar a criatura, mas com um movimento de sua enorme cauda, o dragão jogou a arma ao chão. Enquanto ele virava, Ilron colocou-se para ajudar Alásia. Iria segurá-lo tal qual fez com o touro.
            O dragão desceu e seus movimentos de asas cortavam o vento, fazendo-o gritar como uma criança que havia visto o abominável. As mãos de Ilron estavam em chamas e a criatura investiu contra os dois. Alásia utilizava magia de gelo, algumas estacas inúteis. No momento do golpe, o elfo gritou – não teve forças para segurar a besta de fogo e ela o atingiu. O eco do grito foi o que ficou, e ele desapareceu da arena.
            O dragão ergueu-se novamente a alguns metros e voltou. Alásia se preparou. Ele iria atacá-la e ela iria fazer a mesma tentativa de Ilron, mesmo tendo dado errado. Suas mãos incendiaram. Ela respirou uma confiança inabalável e posicionou-se. O dragão parecia vir com mais velocidade que antes. Todos apenas observavam, incrédulos. Ela olhava para a criatura, esperando o golpe que viria em segundos, quando o dragão parou a um metro dela e olhou-a nos olhos. Ela percebeu que ele a havia reconhecido, havia surpresa e medo. Ficou ali parado olhando em seus olhos – os olhos de fogo dele a despiam, mexiam com sua alma sem atacá-la. A criatura parecia viva, aliás cheia de vida, mas não havia mais desafio. Soou o décimo minuto – o dragão desapareceu e a arena voltou ao normal, sem o calor. 
            Abel chegou acompanhado de todos os que foram eliminados. Os dois magos que o haviam ajudado caminhavam na direção dos que estavam inconscientes e a única coisa que Alásia conseguiu dizer antes de cair exausta no chão foi:
– O que foi aquilo?
            Ninguém respondeu. O silêncio durou alguns segundos até que Abel disse:
            – Amanhã quero todos vocês aqui, no mesmo horário.
            – Mas quem venceu? – perguntou Mira.
            – Ninguém.
            – O que era aquilo? – perguntaram Mira e Alásia ao mesmo tempo.
            – Nada.

Ao dizer estas palavras, ele saiu da arena. Ninguém entendeu o motivo do mistério e da partida dele assim, tão rapidamente, mas não falaram nada. Com uma dificuldade visível, dirigiram-se para seus aposentos.

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