Aula em 04/08//2012
Lei de Tortura – Lei n. 9455/97
Introdução:
Após
a 2ª Grande Guerra Mundial, nasce um movimento mundial de repudio a tortura.
São criados vários tratados, alguns ratificados pelo Brasil, como a Convenção
contra a tortura ou tratados cruéis e Convenção interamericana para prevenir e
punir a tortura. Posteriormente, advém a Constituição de 1988 dizendo
expressamente que “ninguém será submetido a tortura”.
Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
Sabemos
que, em regra, nenhum direito ou garantia fundamental, até mesmo a vida, é
absoluto. A garantia de não submissão à tortura, contudo, não comporta nenhuma
forma de exceção no ordenamento jurídico brasileiro.
Até
então, só havia carta de intenções repudiando a prática de tortura. Então, em
1990, o legislador promulgou a Lei 8069/90 e criou um tipo especial de tortura
tendo como vítima criança e adolescente. Após, veio a Lei 9455/97, intitulada
Lei de Tortura, revogando o art. 233 do ECA.
A
lei 8072/90 previu crimes hediondos e equiparou a eles o crime de tortura.
Os
documentos internacionais definem tortura como crime próprio, ou seja, que só
pode ser praticado por agente do Estado. A lei 9455/97 reconhece crime de
tortura praticado por pessoa comum, não representante do Estado, não exigindo
qualidade do sujeito ativo.
(Im)prescritibilidade
Ordinariamente, os crimes,
por graves que sejam, são prescritíveis. Figuram como exceções constitucionais
a prática do racismo (Art. 5º, XLII) e a ação degrupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional eo Estado democrático (Art. 5º, XLIV)
Tortura
prescreve
Tortura não prescreve
Lei
ordinária
Tortura prescreve
Correntes:
1ª) Considerando que a CF/988 rotulou a tortura
como um delito prescritivo; Considerando que os Tratados Internacionais que
tornam a tortura imprescritível são infraconstitucionais, deve prevalecer a
Constituição. Gilmar Mendes já se pronunciou a respeito do tema, entendendo
que, na época da ditadura, o legislador quis claramente não tipificar a tortura
como crime imprescritível.
2ª)
Considerando que no conflito entre a CF/88 e os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos deve prevalecer a norma que melhor atende os Direitos Humanos
(princípio pro homine), os tratados
internacionais, na questão da prescritibilidade da tortura de prevalecer sobre
a Constituição Federal. O STJ, no REsp 816.209/RJ decidiu que são
imprescritíveis as ações de reparação de dano em decorrência de perseguição,
tortura e prisão, por motivos políticos, durante o regime militar. Fundamentou
no princípio da dignidade da pessoa humana, se podendo extrair nas entrelinhas
o pro homine.
3ª) a
imprescritibilidade trazida pelos tratados é incompatível com o Direito Penal
Moderno e com o Estado Democrático de Direito.
Lei 9.455/97
Essa lei não define o que é tortura, mas explica,
desde logo, o que constitui tortura.
Passemos a cada uma das espécies:
Tortura-prova, Tortura para fins de cometimento de crimes e
tortura-preconceito
Art. 1º Constitui
crime de tortura:
I -
constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
a) com o fim
de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para
provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de
discriminação racial ou religiosa;
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum)
Sujeito
passivo: qualquer pessoa (crime comum)
Portanto, o inciso I trata de crime bicomum.
Conduta
típica: constranger alguém com emprego de violência (desde vias de fato até
homicídio) ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental.
Finalidade:
a) obter informação, confissão
ou declaração da vítima ou terceira pessoa. A doutrina denomina tortura-prova.
Exemplos: Credor tortura devedor para confessar a dívida; policial tortura
cidadão para confessar o crime. O delito de tortura se consuma com o
constrangimento causador de sofrimento à vítima, dispensando efetiva obtenção
da informação desejada. É possível a tentativa.
b) provocar conduta de natureza criminosa; é a chamada tortura para a
prática de crime. Exemplo. Torturar a vítima, que, sob coação moral irresistível,
mata alguém; torturar alguém que, sob coação moral irresistível, mente em
juízo. Nesses casos, o torturador responderá, em concurso material, pela
tortura e pelo homicídio/falso testemunho. Esta modalidade de tortura se
consuma com o constrangimento, dispensando que o torturado pratique a conduta
criminosa. Ocorrendo o crime visado pelo torturador, caracterizará o concurso
de delitos. Admite-se tentativa.
“Conduta de natureza criminosa”:
1ª corrente: abrange contravenção penal (Mauro
Lima);
2ª corrente: não abrange contravenção penal,
evitando-se analogia in malam partem.
É a que prevalece.
c) em razão de discriminação racial ou
religiosa: a doutrina denomina tortura-preconceito ou tortura-discriminatória.
Não exige finalidade específica. Não abrange discriminação econômica, social ou
sexual. Consuma-se com o constrangimento da vítima, sendo perfeitamente
possível a tentativa.
Tortura do art. 1º, inciso I
|
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Tortura-prova
|
Tortura para a prática de crime
|
Tortura-preconceito
|
Finalidade:
obter informação, confissão ou declaração da vítima ou terceira pessoa.
|
Finalidade:
provocar conduta de natureza criminosa.
|
Finalidade:
não há finalidade específica.
|
Consumação:
O delito de tortura se consuma com o constrangimento causador de sofrimento à
vítima.
|
Consumação:
Consuma-se com o constrangimento, dispensando que o torturado pratique a
conduta criminosa.
|
Consumação:
Consuma-se com o constrangimento da vítima.
|
Exemplos:
Credor tortura devedor para confessar a dívida; policial tortura cidadão para
confessar o crime.
|
Exemplos.
Torturar a vítima, que, sob coação moral irresistível, mata alguém; torturar
alguém que, sob coação moral irresistível, mente em juízo.
|
Exemplos:
tortura contra judeus, muçulmanos.
Obs. Não
abrange discriminação econômica, social ou sexual.
|
Pena: 2 a 8 anos
Tortura-castigo
Art. 1º
Constitui crime de tortura:
II - submeter
alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave
ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo.
Sujeito ativo: só pode ser praticado por quem tem a guarda,
poder ou autoridade sobre a vítima. Crime próprio.
O policial militar que auxilia a polícia civil na
contenção de rebelião em estabelecimento prisional, durante a operação, detém,
legitimamente, guarda, poder ou autoridade sobre os detentos, ainda que
momentânea, podendo responder pelo crime de tortura-castigo (STJ)
Sujeito
passivo: só pode ser vítima quem se encontra sob a guarda, poder ou
autoridade do agente.
Conduta:
submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência
ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar
castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. É a chamada tortura-castigo.
A intensidade do sofrimento é que diferencia de
forma mais clara a tortura do delito de maus-tratos.
Consumação:
ocorre com o constrangimento que causa intenso sofrimento físico ou mental da
vítima.
Pena:
2 a 8 anos
Tortura sem finalidade específica
Art. 1º
Constitui crime de tortura:
§ 1º Na mesma
pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a
sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em
lei ou não resultante de medida legal.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum)
Sujeito
passivo: pessoa presa (sob prisão provisória, definitiva, disciplinar e
civil) ou sujeita a medida de segurança (em internação ou tratamento
ambulatorial). Prevalece abranger também adolescentes infratores internados ou
em semiliberdade. É, portanto, crime próprio.
Conduta:
submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou
mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante
de medida legal.
Cuidado: não exige emprego de violência ou grave
ameaça.
No §1º, diferentemente do que ocorre nos incisos I
e II, o dolo não exige a finalidade especial animando o agente.
Exemplos: colocar uma adolescente infratora para
cumprir MSE junto com homens; colocar preso em cela insalubre e escura;
população linchando um furtador.
Consumação:
ocorre com a submissão da vítima a sofrimento físico ou mental, sendo possível
a tentativa.
Tipo Penal
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Sujeitos
|
Modo de Execução
|
Resultado
|
Finalidade
|
Art. 1º, inc. I
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Qualquer pessoa
(Crime bicomum)
|
Emprego de violência ou grave ameaça
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Sofrimento físico ou mental
|
a) tortura-prova
b) tortura para a prática de crime
c) tortura-preconceito
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Art. 1º, inc. II
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Sujeitos ativo e passivo próprios
(crime próprio)
|
Emprego de violência ou grave ameaça
|
Intenso sofrimento
físico e mental
|
Aplicar castigo ou medida de caráter preventivo
|
Art. 1º, par. único
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Sujeito ativo comum, mas sujeito passivo próprio (preso ou sujeito a
medida de segurança)
|
Prática de ato
ilegal
|
Sofrimento físico ou mental
|
-------------
|
Tortura-omissão
Art. 1º
Constitui crime de tortura:
§ 2º Aquele
que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou
apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
Tortura-omissão imprópria:
O agente tinha o dever de evitar a tortura
Sujeito ativo: garante ou garantidor do art. 13, §2º CP (crime
próprio)
Sujeito passivo: qualquer pessoa (crime comum)
Pena: 1 a 4 anos. Alguns doutrinadores criticam porque
fere o que prevê o art. 13, §2º CP.
Correntes:
§2º é
inconstitucional
|
§2º é
constitucional
|
§2º é
constitucional (prevalece)
|
Logo, a
pena será de 2 a 8 anos
|
Logo, a
pena é de 1 a 4 anos
|
Pena de 1
a 4 anos
|
Logo, o
crime é equiparado a hediondo
|
Forma
culposa pois a tortura dolosa é punida
da com
pena de 2 a 8 anos
|
Crime não
equiparado a hediondo (vide art. 7º da lei em comento)
|
Tortura omissão própria: o agente que tinha o dever
de apurar
Sujeito ativo: agente com dever de apurar (crime próprio)
Sujeito passivo: qualquer pessoa (crime comum)
Conduta o agente tolera, é condescendente com a
tortura pretérita.
Pena: 1 a 4 anos. Alguns doutrinadores criticam
porque fere o que prevê o art. 13, §2º CP.
§ 3º Se
resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de
quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
O dispositivo traz a figura da tortura qualificada
e não se confunde com o art. 121, §2º, inciso III do CP (homicídio qualificado
por tortura).
Art. 1º, §3º Lei 9455/07
|
Art. 121, §2º, inciso III do CP
|
Tortura:
fim (doloso)
Morte:
resultado culposo
Conclusão:
delito preterdoloso
|
Morte:
fim (doloso)
Tortura:
meio
Conclusão:
crime doloso
|
Juiz
singular
|
Júri
popular
|
A qualificadora do §3º (lesão grave, gravíssima,
morte) se aplica a todas as espécies de tortura?
1ª corrente (LFG): aplica aos incisos I e II, ao
§1º e ao 2º, neste último caso somente na omissão imprópria;
2ª corrente (Paulo Juracic): aplica aos incisos I e
II e ao §1º.
§ 4º
Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime
é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de
deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o
crime é cometido mediante seqüestro.
Esse dispositivo traz hipóteses de causas de
aumento de pena quando o crime de tortura for cometido:
- por agente público: a regra deve ser interpretada
à luz do art. 327 do Código Penal.
Cuidado: para ocorrer o aumento, é necessário que o
agente atue nessa qualidade ou em razão dela.
- contra
criança ou adolescente (a regra deve ser extraída do ECA), gestante, portador
de deficiência ou maior de 60 anos (esquecendo do idoso de 60 anos de idade)
Cuidado: tais condições das vítimas devem ingressar
no dolo do agente, para evitar responsabilidade penal objetiva.
-
mediante sequestro: abrangendo cárcere privado (que consiste em privação da
liberdade com confinamento).
§ 5º A
condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
Trata de efeito extrapenal (que não desaparece, nem
mesmo por meio da abolitio criminis ou anistia) consistente na perda do cargo,
função ou emprego público.
Vale lembrar que o art. 92 do Código Penal trata de
efeito não automático da condenação. E na lei de tortura? Os efeitos do §5º são
automáticos?
1ª corrente: o parágrafo único do art. 92 do CP
deve ser observado também na Lei de Tortura, por analogia in bonam partem.
2ª corrente (prevalece, a exemplo do HC 92.247/STJ):
trata-se de efeitos automáticos, aplicando-se o princípio da especialidade.
Ademais,
após cumprir a pena, o agente ficará impedido de ocupar cargo, função ou
emprego pelo dobro de tempo da pena aplicada.
§ 6º O crime
de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
O dispositivo trata da inafiançabilidade e da
proibição de graça ou anistia.
Inafiançabilidade
e liberdade provisória (questão controvertida dentro do STF):
1ª
corrente: a proibição da liberdade provisória nos processos por tortura está
implícita na inafiançabilidade (corrente defendida pela Min. Ellen Grace, hoje
aposentada).
2ª
corrente: cabe liberdade provisória para tortura. Quem deve decidir se o
benefício é possível ou não é o magistrado, na análise do caso concreto, e não
o legislador, que analisa somente a gravidade em abstrato (corrente defendida
por Celso de Mello).
Graça ou anistia:
CF/88
– proíbe graça e anistia;
Lei
8072/90 proíbe graça, anistia e indulto;
Lei
9455/07 proíbe graça e anistia;
1ª corrente: A lei 9.455/07 revogou
tacitamente a proibição de indulto na lei 8072/90.
2ª
corrente (STF e Nucci): A proibição de indulto também está presente da Lei
9455/97, eis que implícita na vedação da graça (em sentido amplo).
§ 7º O
condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o
cumprimento da pena em regime fechado.
Art. 1ª, incisos I e II e §1º
|
Art. 2º
|
Regime inicial fechado
|
Regime
inicial aberto ou semiaberto
|
Vale
observar que, de 1997 até 2007, a Lei 9072/90 trazia regime integralmente
fechado para crimes hediondos e equiparados, proibindo a progressão.
No
entanto, a lei 9455/97 fazia menção a regime inicial fechado, permitindo a
progressão com 1/6, para o crime de tortura, que é equiparado a hediondo,
prevalecendo, à época, o entendimento de que não se estendia a norma aos demais
crimes previstos na lei 8072/90.
Nesse
sentido o teor da súmula 698 do STF, que hoje perdeu o sentido: não se estende
aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de
execução da pena aplicada ao crime de tortura (princípio da especialidade)
A
lei 11.464/07, então, trouxe possibilidade de progressão, mas com 2/5
(primário) ou 3/5 (reincidente).
Pergunta:
as frações trazidas pela 11464/07 aplicam-se aos crimes de tortura? Sim.
Pode-se dizer que a referida lei alterou a 9455/97, tornando mais gravosa a
progressão de regime.
Art. 2º O
disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território
nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob
jurisdição brasileira.
O
dispositivo trata da extraterritorialidade.
Art. 7º
CP
|
Art. 2º
da Lei de Tortura
|
Inciso I
– extraterritorialidade incondicionada
Inciso
II, §3º - extraterritorialidade condicionada (crime contra brasileiro ou
agente em jurisdição brasileira)
|
Extraterritorialidade
incondicionada.
|
Tortura praticada contra brasileiro no exterior:
análise da aplicação da lei penal no espaço e da competência
quarta-feira,
3 de dezembro de 2014
Imagine a seguinte
situação adaptada:
Dois brasileiros estavam fazendo
pesca esportiva no Uruguai quando foram abordados, presos e torturados por
policiais uruguaios.
Após serem libertados, voltaram ao
Brasil e noticiaram o caso às autoridades brasileiras.
Pode ser aplicada a
lei brasileira na presente situação?
A Justiça
brasileira será competente para apurar o crime?
Trata-se de
hipótese de extraterritorialidade condicionada ou incondicionada?
Qual é o fundamento
legal no Código Penal?
SIM.
A lei penal brasileira pode ser
aplicada ao caso.
Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada.
O fundamento legal não está no Código
Penal, mas sim no art. 2º da Lei n.°9.455⁄97 (Lei de Tortura), que é uma previsão
específica. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 2º O disposto nesta Lei
aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional,
sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição
brasileira.
Extraterritorialidade
Extraterritorialidade significa a
aplicação da lei brasileira a fatos que ocorreram fora do território nacional,
ou seja, no exterior. Daí vem o nome extraterritorialidade (extra = fora).
• Em alguns casos, a lei diz que, se
determinado tipo de crime acontecer no exterior, a lei brasileira irá ser
aplicada sem exigir nenhuma outra condição. A isso chamamos de
extraterritorialidade incondicionada.
Ex: art. 7º, I, do CP.
• Em outros casos, a lei diz que,
determinado tipo de crime acontecer no exterior, a lei brasileira irá ser
aplicada, exigindo-se, no entanto, o cumprimento de certas condições. É o que
se denomina de extraterritorialidade condicionada. Ex: art. 7º, II, do CP.
Normalmente quando se fala
extraterritorialidade lembra-se apenas do art. 7º do CP. No entanto, como vimos
acima, a Lei de Tortura traz importantíssima previsão de extraterritorialidade.
Extraterritorialidade
na Lei de Tortura
O art. 2º da Lei de Tortura traz duas
hipóteses de extraterritorialidade:
1ª
hipótese: Se o crime de tortura tiver sido cometido contra a vítima brasileira.
Trata-se de hipótese de
extraterritorialidade incondicionada.
Sendo a vítima brasileira, pode ser
aplicada a lei brasileira ao caso.
2ª
hipótese: Se o agente que praticou a tortura estiver em local sob jurisdição
brasileira.
Aqui há uma polêmica:
Para alguns, trata-se de
extraterritorialidade incondicionada. É o caso de Nucci e Habib.
Para outros, consiste em
extraterritorialidade condicionada. É a posição de Marcelo Azeredo:
“Entendemos que se trata de
extraterritorialidade condicionada. A condição não está prevista na lei
especial nem no Código Penal, mas em duas convenções sobre a tortura: Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
(art. 12) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (art.
5º). Os dispositivos citados condicionam que a lei será aplicada caso não haja
extradição. Ou seja, se for caso de extradição, não incidirá a lei do país em
que o agente se encontrar.” (AZEREDO, Marcelo André. Direito
Penal. Parte Geral. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 122).
Voltando ao nosso
exemplo. Como as vítimas eram brasileiras, trata-se de hipótese de
extraterritorialidade incondicionada. Logo, a Justiça brasileira poderá apurar
o fato. De quem será a competência para julgar o crime: Justiça Estadual ou
Federal?
Justiça ESTADUAL.
O fato de o crime de tortura,
praticado contra brasileiros, ter ocorrido no exterior não torna, por si só, a
Justiça Federal competente para processar e julgar os agentes estrangeiros.
O crime de tortura praticado em
território estrangeiro contra brasileiros não se subsume, em regra, a nenhuma
das hipóteses de competência da Justiça Federal previstas nos incisos IV, V e
V-A do art. 109 da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as
infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou
convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha
ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos
humanos a que se refere o § 5º deste artigo;
Não se enquadra no inciso IV
considerando que não se tem dano direto a bens ou serviços da União, suas
entidades autárquicas ou empresas públicas.
Não é caso do
inciso V porque, apesar de a tortura ser um crime previsto em tratados
internacionais, na situação em tela, o delito foi integralmente praticado em
território estrangeiro. Não se trata de crime à distância.
Por fim, o deslocamento de
competência para a jurisdição federal de crimes com violação a direitos humanos
exige provocação e hipóteses extremadas e taxativas, nos termos do art. 109,
V-A e § 5º.
Logo, a competência é da Justiça Estadual.
Logo, a competência é da Justiça Estadual.
Uma última
pergunta: qual é a competência territorial da Justiça Estadual no caso? Em
outras palavras, qual comarca será competente para julgar o crime?
Justiça do Distrito Federal (Vara
Criminal de Brasília), nos termos do art. 88 do CPP:
Art. 88. No processo por crimes praticados
fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado
onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no
Brasil, será competente o juízo da Capital da República.
FONTES: DIREITO PROCESSUAL PENAL RENATO BRASILEIRO
DIREITO PROCESSUAL PENAL NESTOR TÁVOR E ROSMAR RODRIGUES
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL JÚLIO FABRINI MIRABETE
E WWW.DIZERODIREITO.COM.BR
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