Inicialmente,
é importante registrar que a Lei 9613/98 foi alterada, recentemente, pela Lei
12683/12.
1. Histórico
A preocupação com a
criminalização da lavagem de capitais surge na Convenção das Nações Unidas
contra o tráfico de drogas, celebrada em Viena, em 1988. Esta Convenção foi
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 154/1991.
Após, advém a Lei 9613,
que entra em vigor em 4 de março de 1998, cuja redação original previa um rol taxativo
de crimes antecedentes:
1.1. Histórico da Lei 12683/2012
A lei 12683/2012 foi
resultado da aprovação do PL 209/2003 do Senado, que ganhou o n. PL 3443/08 na
Câmara.
Em destaque, algumas
mudanças significativas:
A grande mudança produzida
pela lei é que agora qualquer
infração penal (seja crime ou contravenção) poderá servir de antecedente
para a prática de lavagem de capitais, descartando-se o rol previsto no art. 1º
da redação original da Lei 9613/98.
Mas atenção: da infração
penal que servir como antecedente deve resultar bens, direitos ou valores
passíveis de ocultação. Há certas infrações penais que não trazem esses
benefícios, o que impedirá a caracterização do objeto material da lavagem. Ex:
prevaricação, da qual não resulta vantagem financeira.
Além disso, houve uma
ampliação do rol dos “sujeitos obrigados” na comunicação de operações suspeitas,
buscando a prevenção dos crimes. Há certas pessoas, físicas ou jurídicas, que
comumente são utilizadas na prática de lavagem. O Estado, então, admite e
precisa que essas pessoas sirvam como suas colaboradoras.
Art. 9o Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as
pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como
atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de
terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;
II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo
financeiro ou instrumento cambial;
III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação,
intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.
I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os
sistemas de negociação do mercado de balcão organizado;
II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de
previdência complementar ou de capitalização;
III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de
crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou
serviços;
IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou
qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a
transferência de fundos;
V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de
fomento comercial (factoring);
VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer
bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na
sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;
VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam
no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma
eventual;
VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização
de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de
seguros;
IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que
operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por
qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer
das atividades referidas neste artigo;
X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de
promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;
XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras
e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades.
XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens
de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam
atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie;
XIII - as juntas comerciais e os registros públicos;
XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que
eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria,
aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:
a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou
industriais ou participações societárias de qualquer natureza;
b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;
c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento
ou de valores mobiliários;
d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer
natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;
e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos
relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;
XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção,
intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de
transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos
similares;
XVI - as empresas de transporte e guarda de valores;
XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de
alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização;
e
XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste
artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.
O legislador demonstrou
preocupação também com a recuperação dos ativos. Assim, passou-se a constar da
lei a possibilidade de antecipação antecipada.
Art. 4º. § 1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor
dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou
depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
2. Direito intertemporal
A
lei 12683/12 teve vigência a partir de 10 de julho de 2012.
Quanto às normas de direito processual,
diz a doutrina que há duas espécies:
a)
Norma genuinamente processual: trata-se
da norma que cuida de procedimentos, atos probatórios, técnicas de processo,
etc. Em relação a esse tipo de norma, aplica-se o princípio do tempus regit actum, previsto no art. 2º
do CPP.
Art. 2º, CPP A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da
validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
Exemplo, na Lei 9613/98, é o art. 2º, II:
Art. 2º, II, Lei 9613/98 -
independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda
que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes
previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento;
b)
Norma processual material:
trata-se de norma mista, que interfere no jus
libertatis do agente. Ex: criação de nova espécie de prisão. Nesse caso,
será aplicado o mesmo critério do Direito Penal, ou seja, a irretroatividade da
lei mais gravosa ou da ultratividade da lei mais benigna.
O melhor exemplo na Lei de
Lavagem é a revogação do art. 3º pela Lei 12683/12.
Art. 3º, Lei 9613/98: os crimes disciplinados nesta
lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença
condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade.
Vale
lembrar que não é mais possível negar abstratamente a liberdade provisória.
Quanto
às normas de direito penal
(material), utiliza-se o critério da irretroatividade da lei mais gravosa ou da
ultratividade da lei mais benigna.
Exemplo 1: Veja a nova
redação do art. 1º, §5º:
Art. 1º, § 5o A pena poderá ser reduzida de um a
dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao
juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos,
se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades,
prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à
identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,
direitos ou valores objeto do crime.
Veja
que a delação premiada passa a ser possível em qualquer momento, até mesmo após
o trânsito em julgado da sentença. Antes, não havia essa previsão expressa.
Essa norma, por ser mais beneficia, deve retroagir e ultra-agir para
beneficiar.
Exemplo
2: Veja a nova redação do art. 1º, §2º, I, da Lei 9613/98:
Art. 1º, § 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na
atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de
infração penal;
Houve supressão da expressão
“que sabe ser proveniente” e, em razão disso, o crime de lavagem de capitais
passou a admitir tanto o dolo direto quanto o dolo eventual.
Evidente, a lei tornou-se
mais gravosa e, por isso, o dolo eventual só será aplicado aos crimes cometidos
após a vigência da lei.
Exemplo 3: atenção para a
nova redação do art. 1º, caput, que
suprimiu o rol taxativo de crimes que poderiam figurara como antecedentes.
Imagine crimes tributários
praticados por João em 2010 e 2011, cujos valores permanecem dissimulados em
nome de laranjas até a vigência da
lei 12683/12, ou seja, 10 de julho de 2012. João responderá pelo crime de
lavagem de capitais, considerando que o crime tributário não era antecedente
pela redação original da Lei de Lavagens?
De acordo com uma corrente
restritiva (interessante para
Defensoria Pública), adotada por Luis Flávio Gomes, à exceção dos crimes
que já constavam do rol taxativo previsto na redação original, tanto a lavagem
quanto a infração antecedente devem ter sido praticadas a partir do dia 10 de
julho de 2012. Portanto, no exemplo supra, não existirá crime de lavagem de
capitais.
Por outro lado, de acordo
com uma corrente ampliativa, defendida por Vladimir Aras, a ocultação ou
dissimulação é crime permanente; logo, ainda que a infração antecedente tenha
sido cometida antes da lei 12683/12, deverá o agente responder por lavagem se a
ocultação se prolongar na vigência da referida lei (10 de julho de 2012).
O enunciado da súmula 711
do STF vai ao encontro do entendimento da corrente ampliativa.
Súmula 711, STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.
Ainda em reforço a essa
corrente, ver o Inquérito 2471 do STF.
3. Expressão “lavagem de capitais”
A expressão surgiu no direito norte-americano como money laundering, em 1920. Isso por que,
proibida a venda de bebidas alcoólicas, mafiosos passaram a comprar lavanderias
para dissimular o lucro obtido com as práticas ilícitas.
Em alguns países da Europa, como Europa e Portugal,
utiliza-se a expressão “branquiamento de capitais”.
4. Conceito
Lavagem de capitais é o crime por meio do qual bens,
direitos e valores obtidos com a prática de infrações penais (diante da nova
redação do art. 1º da Le 9613/98) são integrados ao sistema
econômico-financeiro, com a aparência de terem sido obtidos de maneira lícita.
5. Gerações de lei de lavagem
A doutrina costuma citar
três gerações:
à Leis de 1ª geração: apenas o crime de tráfico de
drogas figurava como antecedente da lavagem;
à Leis de 2ª geração: há um rol taxativo de crimes antecedentes. É
exatamente nessas leis que se enquadra a Lei 9613/98 em sua redação original.
à Leis de 3ª geração: qualquer infração penal pode ser
antecedente da lavagem. É o que se tem com a Lei 9613/98 com as mudanças
produzidas pela Lei 12683/12.
6. Fases da lavagem de capitais
A doutrina costuma trabalhar com as fases da
lavagem de capitais sugerida pelo Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de
Dinheiro (GAFI), formado por vários países com o objetivo precípuo e combater a
esta espécie de crimes. Vejamos:
à 1ª fase: colocação
(placement) - Consiste na instrução
do dinheiro ilícito no sistema financeiro. Exemplo disso é a técnica denominada
smurfing, que consiste na
pulverização de uma enorme quantia em pequenos valores.
à 2ª fase: dissimulação
ou mascaramento (layering) –
Nesta fase são realizadas várias movimentações financeiras, com o objetivo de
dificultar o rastreamento da origem ilícita dos valores.
à 3ª fase: integração
(integration) – Com a aparência
ilícita, os valores são reinvestidos, inclusive para o financiamento de novas
atividades delituosas.
No HC 80.816 (máfia da propina dos fiscais da
Prefeitura de São Paulo), o STF entendeu que a consumação da lavagem de
capitais independe do preenchimento das três fases.
Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques
de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em
contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a
caracterizar a figura de "lavagem de capitais" mediante ocultação da
origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art.
1º, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo
agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada
"engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a
literatura.
7. Bem jurídico tutelado
O tema é polêmico e
discutido pela doutrina em quatro correntes:
1ª corrente: o bem jurídico
tutelado é o mesmo da infração antecedente;
2ª corrente: o bem jurídico
tutelado é a administração da justiça;
3ª corrente (majoritária, art. 170, CF): o bem
jurídico tutelado é a ordem econômico-financeira;
4ª corrente: o bem jurídico tutelado é tanto a
ordem econômico-financeira quanto o bem jurídico tutelado pela infração
antecedente.
7.1. Princípio da insignificância
Requisitos:
o Mínima ofensividade da conduta
do agente;
o Nenhuma periculosidade social da ação;
o Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
o Inexpressividade da lesão jurídica provocada;
Se crimes de lavagem de capitais são crimes contra
a ordem financeira (corrente majoritária), à semelhança dos crimes tributários,
que também possuem esta natureza, podem ser usados os seguintes parâmetros:
à R$100,00
(cem reais): acreditava-se que o valor inferior a cem reais, previsto no art.
18, §1º da Lei 10522/02, poderia ser considerado como insignificante (REsp
495.872);
à R$10.000,00
(dez mil reais): abandonado o valor de R$100,00, passou-se a utilizar o
parâmetro de R$10.000,00, previsto no art. 20 da Lei 10522/02 (REsp 1.112.748);
à R$20.000,00:
a Portaria MF n. 75 de 22/03/2012, estabelecida pelo Min. Guido Mantega, determina
o arquivamento das execuções fiscais com valor inferior a R$20.000,00.
8. Da autonomia do processo de lavagem e da acessoriedade desse delito
Autonomia: As ações referentes aos crimes de lavagem de
capitais e à infração antecedente podem até tramitar em um processo único, haja
vista a conexão probatória, mas esta reunião dos feitos não é obrigatória.
Compete ao juízo competente para o julgamento do
crime de lavagem de capitais deliberar sobre a reunião dos processos, o que, no
entanto, não impede que um conflito de competência seja suscitado.
Art. 2º O processo e
julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
Quanto à competência, não se observará mais a regra
do art. 78, II, “a” do Código de Processo Penal, eis que competirá ao juízo da
lavagem de capitais o julgamento do crime antecedente no caso de reunião dos
processos.
Acessoriedade limitada: para que a conduta de
lavagem seja punível, basta que na infração penal antecedente seja demonstrada
a prática de uma conduta típica e ilícita.
Art. 2, § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da
existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos
nesta Lei, ainda que desconhecido ou
isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.
Diante da adoção da teoria
da acessoriedade limitada, é necessário que a conduta antecedente seja típica e
ilícita. Logo, se a absolvição quanto à infração antecedente ocorrer com base
no reconhecimento da atipicidade ou licitude, não será punível o crime de lavagem
de capitais.
Se o reconhecimento da
atipicidade oi ilicitude sobrevém à condenação por crime de lavagem, admite-se
a impetração de habeas corpus ou
ajuizamento de ação revisão criminal.
Lado outro, se a absolvição
quanto à infração antecedente ocorrer com fundamento em causa excludente da
culpabilidade, subsiste a possibilidade de punição do crime de lavagem de
capitais.
Como a punibilidade é mera
consequência do delito, a incidência de uma causa extintiva da punibilidade
quanto à infração antecedente não impede a condenação quanto ao crime de
lavagem de capitais, salvo em se tratando da anistia e da abolitio criminis, hipóteses de novatio
legis em que o fato antecedente deixa de ser considerado infração penal.
9. Sujeitos do delito
9.1. Responsabilização do autor da infração antecedente pelo crime de lavagem
de capitais
Imagine que João tenha praticado crime de roubo.
Ele responderá pelo crime de lavagem de capitais? Há divergência na doutrina.
Vejamos:
1ª corrente (minoritária - Delmanto): Não. O autor
da infração antecedente não responderá pelo crime de lavagem de capitais, sob
pena de bis in idem e violação ao
princípio do nemo tenetur se detegere
(Este princípio não tem natureza absoluta (RE 640.139))
2ª corrente: Sim. É possível a responsabilização da
mesma pessoa pela infração antecedente e pelo crime de lavagem de capitais
(STF, Inq 2471).
Atenção: é necessário separar o que
é o exaurimento da conduta
antecedente (guarda de produto de furto, por exemplo), da prática de nova conduta visando à
ocultação de tais bens, valores ou direitos, sob pena de todo crime de
furto configurar lavagem de dinheiro.
Ex¹: furto um aparelho celular e guardo na gaveta è furto (com exaurimento);
Ex²: furto 1 milhão do banco e compro uma casa em
meu nome è furto (com exaurimento);
Ex³: furto 1 milhão do banco e compro uma casa,
registrando-a em nome do meu namorado è furto + lavagem de capitais
9.2. Desnecessidade de participação na infração antecedente
A participação na infração penal antecedente não é
condição essencial para que se possa ser sujeito ativo do crime de lavagem de
capitais, desde que o agente tenha consciência da origem ilícita dos valores (STJ,
RMS 16.813).
9.3. Advogado como sujeito ativo da lavagem de capitais
Art. 9º, XIV, Lei 9613/98 - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que
eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria,
aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:
a) de compra e venda de imóveis,
estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de
qualquer natureza;
b) de gestão de fundos, valores
mobiliários ou outros ativos;
c) de abertura ou gestão de contas
bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;
d) de criação, exploração ou gestão de
sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas
análogas;
e) financeiras, societárias ou
imobiliárias; e
f) de alienação ou aquisição de direitos
sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas
profissionais;
O
art. 9º, XIV, deve ser ponderado com o art. 113 da CF, que garante o sigilo no
exercício da advocacia. Deve buscar-se uma posição de equilíbrio.
No
exercício da defesa técnica em processo judicial referente ao crime de lavagem
de capitais, ou nas hipóteses em que o advogado é consultado de uma concreta
situação jurídica, vinculada a um processo criminal de lavagem, não se impõe ao
advogado a obrigação de comunicar situações suspeitas ao Coaf, ainda que tome
conhecimento no exercício de sua atividade profissional de fatos que se amoldam
à lavagem de capitais.
No
entanto, se o advogado promove uma atividade de “consultoria jurídica” visando à
criação de um esquema de blindagem patrimonial para facilitação de blindagem de
valores obtidos a partir de qualquer infração penal, a ele se impõe a obrigação
de comunicar operações suspeitas, podendo inclusive responder criminalmente
pelo delito de lavagem de capitais (STF, HC 50933).
10. Tipo
Objetivo
Somente
é punido a título doloso.
Em alguns
países, como Alemanha e Espanha, é também punido na modalidade culposa.
Na redação
antiga, o crime de lavagem só era punível se o elemento subjetivo preenchesse
todos os elementos do art. 1º, ou seja, não bastava saber que provinha de
crimes, mas dos crimes elencados no art. 1º. Com a alteração legislativa, basta
saber que é proveniente de um crime, seja ele de qualquer natureza.
Diante da
Lei 12.683/12, o dolo também deve abranger a consciência de que os valores
ocultados são produto de infração penal.
10.1. Dolo
eventual
Vejamos
alguns dispositivos sobre o tema:
ü O art.
339 do CP só é punível por dolo direto:
Art. 339, CP. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial,
instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
ü A
receptação, prevista no art. 180 do CP, também é punida por dolo direto:
Art. 180, CP - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito
próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de
crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou
oculte:
ü A leitura
do art. 1º da Lei de Lavagem de Capitais nos leva a conclusão de que não há
qualquer restrição ao dolo eventual. Na antiga redação havia uma restrição,
constatada por meio da expressão “que sabe serem provenientes”, ou seja, não
admitia dolo eventual.
Porém, no novo inciso II há a restrição
“tendo conhecimento”, ou seja, única figura punível só por dolo direto.
Art. 1º, § 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou
secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
Conclusão: Com a nova redação da Lei
9613/98, os crimes do art. 1º, caput,
§§1º e 2º, I, admitem dolo direto e eventual; todavia, o crime do art. 1º, §2º,
II, somente será punível a título de dolo direto.
Prova do dolo: pode ser aferido pelas
circunstâncias objetivas e elementos do caso concreto.
Observação: No julgamento do Mensalão,
há Ministros rechaçando a possibilidade de reconhecimento do dolo eventual como
elemento subjetivo, tendo em vista a redação da Lei de Lavagem de Capitais à
época.
10.2. Teoria da Cegueira Deliberada (das instruções da
avestruz)
O art.
9º, X, prevê a responsabilidade do corretor de imóveis:
Art. 9o Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as
pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como
atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de
promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;
Se o agente,
deliberadamente, evita a consciência quanto à origem ilícita dos bens, assume o
risco de produzir o resultado, daí porque responde por lavagem a título de dolo
eventual.
A teoria foi aplicada
no caso do Banco Central de Fortaleza, no qual uma das formas utilizadas na
lavagem foi a compra de veículos, num sábado, vendendo a concessionária em um
dia 11 veículos de luxo, todos pagos em dinheiro: R$980.000,00 (novecentos e
oitenta mil reais) em sacos de nylon preto, deixando R$200.000,00 em crédito na
loja porque não há havia carros em número suficiente. Houve condenação em 1ª
instância da concessionária, que foi absolvida em 2ª instância, pelo TRF da 5ª
região (ApCr 5520), porque o crime só admitida dolo direto (antigo art. 2º, I)
e além disso, o assalto só se tornou público na 2ª feira.
Essa teoria voltou a
ser mencionada no voto do Min. Celso de Melo na AP 470/MG (Informativo 676, STF):
O Min. Celso de Mello, por
sua vez, acentuou que o processo penal só poderia ser concebido como
instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. Enfatizou, assim, que a
exigência de comprovação dos elementos que dariam suporte à acusação penal
recairia por inteiro sobre o órgão ministerial. Apontou que os membros do
poder, quando atuassem em transgressão às exigências éticas que deveriam pautar
e condicionar a atividade política, ofenderiam o princípio da moralidade, que
traduziria valor constitucional de observância necessária na esfera
institucional de qualquer dos Poderes da República. A seu turno, não acolheu a
pretensão punitiva do Estado, no que se refere ao inciso VII do art. 1º da Lei
9.613/98. Repeliu a aplicação da Convenção de Palermo quanto ao estabelecimento
de diretrizes conceituais sobre criminalidade organizada. Reputou prevalecer
sempre, em matéria penal, o postulado da reserva constitucional absoluta de lei
em sentido formal. Pronunciou não ser possível invocar-se, para efeito de
incriminação, norma consubstanciada em pactos ou em convenções internacionais,
ainda que formalmente incorporados ao plano do direito positivo interno. No tocante ao crime de lavagem de dinheiro,
observou possível sua configuração mediante dolo eventual, notadamente no que
pertine ao caput do art. 1º da referida norma, e cujo reconhecimento
apoiar-se-ia no denominado critério da teoria da cegueira deliberada ou da
ignorância deliberada, em que o agente fingiria não perceber determinada
situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem prometida.
Mencionou jurisprudência no sentido de que o crime de lavagem de dinheiro
consumar-se-ia com a prática de quaisquer das condutas típicas descritas ao
longo do art. 1º, caput, da lei de regência, sendo pois, desnecessário
que o agente procedesse à conversão dos ativos ilícitos em lícitos. Bastaria
mera ocultação, simulação do dinheiro oriundo do crime anterior sem a
necessidade de se recorrer aos requintes de sofisticada engenharia financeira.
11. Objeto material
Objeto
material ≠ bem jurídico
Objeto material: pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta delituosa.
Pode ser qualquer bem, direito ou valor que seja produto direto ou indireto de
qualquer infração penal.
Bem jurídico:
bem protegido pela lei
Produto direto (producta sceleris):
é o resultado imediato da infração penal: ex. um rolex furtado.
Produto indireto (iructus
sceleris): é o proveito obtido pelo criminoso como resultado da utilização
econômica do produto direto. Ex: o dinheiro obtido com a venda do rolex
furtado.
12. Tipo objetivo
Ocultar: esconder a coisa procurando impedir ou dificultar sua
localização. Pode ser praticado de forma comissiva ou omissiva.
Dissimular: disfarçar, escamotar, encobrir é uma ocultação com
fraude. A conduta só pode ser praticada
por ato comissivo.
Tipo objetivo ≠ exaurimento
Não haverá lavagem de capitais quando a conduta for considerada uma
utilização ou aproveitamento normal das vantagens ilícitas obtidas com a
infração antecedente. Ex: gangue de playboys que assaltavam e gastavam em uma
balada. Trata-se de mero exaurimento, pós factum
impunível.
O crime de lavagem é de ação múltipla ou conteúdo variado, por isso
aplica-se o princípio da alternatividade; ainda que
o agente pratique mais de uma ação típica deve responder por crime único, desde
que isso ocorra em um mesmo contexto fático.
12.1. Natureza do delito
A) É crime
material, cujo resultado faz parte do tipo penal: art. 1º, §2º, I. O STF, no
RHC 80816, afirmou isso sobre o art. 1º, caput.
Há, no entanto, uma minoria que entende que o caput é crime formal (Rodolfo Maia).
B) É crime
formal: art. 1º, §1º e §2º, II;
13. Tentativa
O art. 1º, §3º da Lei de Lavagem remete ao art. 14 do CP, embora fosse
desnecessário, já que o art. 12 do CP prevê sua aplicação subsidiária à lei
especial.
14.Causa de aumento de pena
A lei 9613/98, art. 1º, §2º, mudou a expressão “forma habitual” para
“forma reiterada”, que são sinônimas.
O §4º determina o aumento de pena de 1/3 a 2/3 na prática de crime de
forma reiterada (habitualidade criminosa).
Crime Habitual
|
Habitualidade criminosa
|
Aquele em
que um ato isolado não gera tipicidade
|
Estilo de
vida do agente, que faz do crime sua atividade regular
|
Exige a
prática reiterada de determinada conduta
|
|
O
crime não é habitual, mas o criminoso sofrerá aumento de pena se agir com
habitualidade.
§ 4o A pena será aumentada de um a dois
terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou
por intermédio de organização criminosa.
O
aumento de pena também ocorrerá se praticado por intermédio de organização
criminosa.
15.Colaboração
premiada
15.1 Origem
e conceito: Surgiu
no sistema inglês – Direito anglo-saxão
Consiste em
uma técnica especial de investigação na qual o próprio autor da infração penal
colabora com as autoridades estatais no curso da persecução penal, seja para
permitir a localização do produto do crime, a identificação dos demais
coautores e partícipes, seja para facilitar a libertação do seqüestrado.
Colaboração
x delação:
Delação
pressupõe a identificação dos demais agentes, ou seja, a incriminação de
terceiros. A delação é também denominada “chamamento de corréu”.
Colaboração
tem conteúdo mais amplo, genérico. É o gênero do qual a delação é espécie. É
expressão preferida pela doutrina porque o criminoso pode colaborar com a
persecução penal sem que, necessariamente, incrimine terceiros. Ex. localização
do objeto do crime.
Para Renato
Brasileiro, é provável que na prova venha a expressão delação, por ser mais
usual.
A colaboração
premiada é plenamente compatível com o princípio do Nemo tenetur se detegere. É ato voluntário (mas não necessariamente
espontâneo); o acusado não é obrigado a colaborar, mas é estimulado a isso.
A
colaboração premiada é ato que deve ser assistido pela defesa técnica.
15.2. Previsão legal
Trata-se de
tema espalhado pela legislação especial:
A) Lei de crimes hediondos, art. 8º,
parágrafo único à gera diminuição de pena;
B) Código Penal, art. 159, §4º à pressupõe concurso e gera
diminuição de pena;
C) Lei 9098/95, Lei 8137/90 e Lei
7492/86
D) Lei 9034/95, art. 6º (fala em
espontâneo, mas deve se ler voluntário);
Geralmente,
o que as leis oferecem é apenas a diminuição da pena, benefício pequeno se
comparado às vantagens maiores da Lei de Lavagem.
E)
Lei
9613/98, art. 1º, §5º
Antes
|
Depois
|
“será”
|
“poderá”
|
Regime
aberto
|
Regime
aberto ou semiaberto
|
Substituir
a pena
|
Deixar de
aplicá-la ou substitui-la
|
Apuração
de infrações e autoria cumulativos
|
Apuração
das infrações, identificação de autores, coautores e partícipes, ou à
localização de bens, direitos ou valores objeto do crime
|
§ 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois
terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz
deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações
penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização
dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Prêmios
legais:
-
diminuição da pena de 1/3 a 2/3
-
fixação do regime inicial aberto ou semiaberto
-
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ainda
que não preenchidos os requisitos do art. 44 do CP
-
extinção da punibilidade por perdão judicial
F)
Lei
12529/2011: em vigor desde 29/05/2012, seu art. 86 e 87 (Lei do Sistema
brasileiro de defesa de concorrência) prevê o acordo de
leniência ou brandura ou doçura.
O art. 86
trata do acordo administrativo: é técnica de investigação; o art. 87 trata do
acordo criminal, fazendo menção a crimes tipificados na Lei 8666. Ou seja, é
possível em qualquer crime que envolva a ordem econômica.
Consequências:
suspensão da prescrição, impedimento de oferecimento da denúncia, extinção da
punibilidade, caso haja o cumprimento do acordo.
O acordo de
leniência pode ser celebrado antes ou durante o processo; se durante o
processo, ocorre a suspensão.
G) Lei de Drogas, art. 41.
H) Lei 9807/99, art. 13 e 14: Lei de
proteção de testemunhas e vítimas.
O art. 13 dá
o perdão judicial se o réu for primário, cumprir todos os requisitos e a medida
atender às circunstâncias do caso concreto.
O art. 14
concede apenas a diminuição de pena.
Os
requisitos do art. 13, dispostos nos incisos I, II e III não podem ser
interpretados cumulativamente. O único delito que preenche os três requisitos é
a extorsão mediante sequestro em concurso de pessoas com a efetivação do
pagamento. Portanto, os requisitos do art. 13 não são cumulativos, dependem da
natureza do delito praticado. Pode-se até exigir se, em tese, o crime admitir
as três “ofensas”.
Essa lei
também dispõe sobre mecanismos de proteção ao colaborador: proteção policial,
mudança de identidade, testemunho anônimo, ajuda financeira, apoio psicológico,
entre outros.
Todas as
leis anteriores a esta estão ligadas a crimes específicos. Ao contrário, a Lei
9807/99 não é específica para um determinado delito, razão pela qual seus dispositivos
podem ser aplicados para qualquer delito (salvo para aqueles em que há previsão
específica).
Art. 190 da
Lei 9807 prevê a oitiva antecipada de pessoas incluídas no regime de proteção,
mudança ocorrida com a Lei...../2011. Qualquer que seja o rito processual, após
a citação, o juiz tomará antecipadamente o depoimento das pessoas incluídas no
programa de proteção e se não fizer deverá justificar-se.
15.3. Eficácia objetiva da
colaboração premiada
Para que o
agente faça jus aos prêmios legais, é indispensável aferir a eficácia objetiva
de sua colaboração (Deve ser efetivamente eficaz). A motivação do delator é
irrelevante.
15.4. Momento para a colaboração
premiada
ü Fase de investigação
ü Fase processual
ü Fase de execução penal (após o
trânsito em julgado de sentença condenatória)
Veja que a
lavagem pode ser feita a qualquer tempo, e para todo e qualquer delito, apesar
de prevista apenas na Lei de Lavagem. Ressalte-se que a colaboração deve ser
eficaz.
15.5. Natureza jurídica da
colaboração premiada
A
colaboração premiada pode ser estudada à luz do Direito Penal e à luz do
Direito Processual.
Sob o ponto
de vista do Direito Penal, pode funcionar como: causa de diminuição de pena e
fixação do regime inicial aberto ou semiaberto; causa de substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos; causa de extinção da punibilidade,
pelo perdão judicial; causa suspensiva da prescrição.
Sob o prisma
do Direito Processual Penal, a colaboração premiada funciona como meio de
obtenção de provas, ou, numa classificação mais moderna, como uma técnica
especial de investigação.
O acordo de
leniência, previsto na Lei 12529/12, também sob o ponto de vista processual,
funciona como causa impeditiva do oferecimento da denúncia.
A
colaboração premiada é um benefício de natureza pessoal,
posto que somente será beneficiado aquele que prestar as informações desejadas
pelo Estado (STF, HC 85176).
15.6. Acordo de colaboração premiada
Apesar de
não haver previsão legal, salvo na hipótese do acordo de leniência, este acordo
é uma criação jurisprudencial que transmite mais segurança ao próprio
colaborador, que não fica apenas com uma vaga promessa feita pelos órgãos
responsáveis pela persecução penal.
Na grande
maioria dos casos, o acordo é estabelecido de forma verbal. No entanto, a
doutrina sugere que seja escrito e levado à homologação judicial, de modo a
conferir mais segurança aos envolvidos. Desse modo, este acordo, a ser
celebrado entre o Ministério Público e o colaborador, assegurada a presença de
advogado, deve especificar o tipo de colaboração desejada, as provas que o
colaborador deve apresentar e os benefícios que irá obter se cumprir o quantum acordado.
Para que
haja um pouco mais de segurança, o acordo não deve constar dos autos, nem se
tornar público. Isso por que característica essencial deste acordo é o seu
sigilo, seja para preservar a identidade física do colaborador e de sua
família, seja para proteger a produção da prova.
Trata-se de hipótese
de mitigação da publicidade, devendo a decisão que declarar o sigilo ser
devidamente fundamentada. Nesse sentido, o HC 90688 do STF, assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE
COOPERAÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. DIREITO DE SABER QUAIS AS AUTORIDADES DE
PARTICIPARAM DO ATO. ADMISSIBILIDADE. PARCIALIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. SUSPEITAS FUNDADAS. ORDEM DEFERIDA NA PARTE CONHECIDA. I - HC
parcialmente conhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem,
sob pena de supressão de instância. II - Sigilo do acordo de
delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. III - Sendo fundadas as suspeitas de impedimento
das autoridades que propuseram ou homologaram o acordo, razoável a expedição de
certidão dando fé de seus nomes. IV - Writ concedido em parte para esse efeito.
15.7. Valor probatório da
colaboração premiada
A
colaboração premiada, isoladamente considerada, não pode servir de fundamento
para um decreto condenatório. Nesse sentido, o HC 84517 do STF:
I. Habeas corpus: cabimento: direito probatório. Não
cabe o habeas corpus para solver controvérsia de fato dependente da ponderação
de provas desencontradas; cabe, entretanto, para aferir a idoneidade jurídica
ou não das provas onde se fundou a decisão condenatória.
II. Chamada dos co-réus na fase policial e o
reconhecimento de um deles: inidoneidade para restabelecer a validade da
confissão extrajudicial, retratada em Juízo. Não se pode restabelecer a
validade da confissão extrajudicial, negando-se valor à retratação, sob o
fundamento de que esta é incompatível e discordante das "demais provas
colhidas" (C. Pr. Penal, art. 197), especialmente as chamadas dos co-réus
na fase policial e o reconhecimento de um deles, que de nada servem para
embasar a condenação do Paciente. A chamada de co-réu, ainda
que formalizada em Juízo, é inadmissível para lastrear a condenação (Precedentes: HHCC 74.368, Pleno, Pertence, DJ
28.11.97; 81.172, 1ª T, Pertence, DJ 07.3.03). Insuficiência dos
elementos restantes para fundamentar a condenação.
III. Nemo
tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a
prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado
contra ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação.
Se o
colaborador for ouvido em juízo, os advogados dos demais acusados terão direito
de lhe fazer reperguntas. Neste sentido, o HC 90830, assim ementado:
AÇÃO PENAL. Interrogatório. Subscrição, sem
ressalvas, do termo de audiência pela defesa de co-réu. Pedido de realização de
novo interrogatório. Indeferimento. Nulidade. Inexistência. Argüição
extemporânea. Preclusão. Ordem denegada. Se a defesa, no
interrogatório, não requereu reperguntas ao co-réu, subscrevendo sem ressalvas
o termo de audiência, a manifestação posterior de inconformismo não elide a
preclusão.
16.Procedimento
dos crimes de lavagem de capitais
Art. 2º, Lei 9613/98. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos
crimes punidos com reclusão, da
competência do juiz singular;
Atenção: o
artigo está desatualizado. Desde o ano de 2008, com o advento da Lei 11719, a
classificação do procedimento não é feita com base no tipo de cumprimento de
pena, mas sim de acordo com a quantidade de pena.
Art. 394, CPP. O procedimento será comum ou especial.
§ 1o
O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:
I - ordinário, quando tiver
por objeto crime cuja sanção
máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena
privativa de liberdade;
II - sumário, quando tiver por
objeto crime cuja sanção
máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de
liberdade; veja que, em razão das IMPO, o procedimento sumário
será adotado para os crimes de pena máxima entre 2 a 4 anos
III - sumaríssimo, para as
infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. Infrações
de menor potencial ofensivo são aquelas com pena máxima não superior a 2 anos,
cumulada ou não com multa.
No caso dos
crimes de lavagem de capitais, a pena é de 3 a 10 anos de reclusão e multa e,
em razão disso, adotar-se-á o rito ordinário.
16.1. Procedimento a ser adotado no
caso de crimes conexos
Existe a
possibilidade de o processo criminal da lavagem de capitais ser conexo com
outro crime. Vale lembrar que a reunião dos processos não é obrigatória (matéria já estudada em processo
penal), embora seja perfeitamente possível.
Imagine,
então, a conexão de um crime de lavagem (sujeito ao procedimento comum
ordinário) com um crime de tráfico de drogas (sujeito ao procedimento especial
previsto na Lei 11343/06). Qual deverá ser o procedimento adotado?
Atentar para
a revogada Lei 6368/76 (antiga Lei de Drogas), que tinha artigo específico
tratando da matéria:
Mesmo antes
de este artigo ser revogado, a doutrina já criticava sua disposição. Hoje, com
a revogação do dispositivo e o reforço da doutrina, entende-se que, no caso de
conexão entre crimes com procedimentos distintos, deve prevalecer aquele que
seja mais amplo, ou seja, aquele que melhor assegura às partes o exercício de
suas faculdades processuais (não necessariamente o mais extenso, o mais
demorado).
Portanto,
entre o procedimento comum ordinário e o especial da Lei de Drogas, prevalece o
comum ordinário, posto que ele oferece mais oportunidades às partes de
exercitar suas faculdades processuais. Neste sentido, o HC 204658 do STJ, assim
ementado:
HABEAS
CORPUS. TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. ART. 12 DA LEI Nº 10.826/03.
ALEGADA INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI 11.343/2006. CRIMES
CONEXOS. ADOÇÃO DO RITO ORDINÁRIO. DEFESA PRELIMINAR APRESENTADA NOS TERMOS DO
ART. 396 DO CPP. EIVA INOCORRENTE.
1.
Atribuindo-se à acusada a prática de crimes diversos, alguns previstos na Lei
11.343/06 e outros que observam o rito estabelecido no Código de Processo
Penal, este deve prevalecer, em razão da maior amplitude à defesa no
procedimento nele preconizado (Precedentes STJ).
2. A
não adoção do rito previsto na Lei nº 11.343/2006 não ocasionou prejuízo à
paciente, pois além do procedimento ordinário ser o apropriado ao caso em
comento, a apresentação de defesa preliminar lhe foi oportunizada nos termos do
art. 396 da Lei Adjetiva Penal antes do recebimento da exordial acusatória,
motivo pelo qual não se constata a ocorrência de vício a ensejar a invalidação
da instrução criminal.
3. A
inobservância do rito procedimental previsto no art. 55 da Lei 11.343/2006, que
estabelece a apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da
denúncia, implica em nulidade relativa do processo, razão pela qual deve ser
arguida no momento oportuno, sob pena de preclusão.
4. Não
logrando a defesa demonstrar que foi prejudicada, impossível agasalhar-se a
pretensão de anular o feito, pois no sistema processual penal brasileiro
nenhuma nulidade será declarada se não restar comprovado o efetivo prejuízo
(art. 563 do CPP).
INÉPCIA
DA DENÚNCIA. DEFICIÊNCIA NA EXPOSIÇÃO DO FATO CRIMINOSO. MATÉRIA NÃO DEBATIDA
PERANTE A CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO.
1. A
matéria referente à inépcia da denúncia não foi alvo de deliberação pelo
Tribunal de origem, circunstância que impede qualquer manifestação desta Corte
Superior de Justiça sobre a questão, sob pena de operar-se em indevida
supressão de instância.
2.
Writ parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegada a ordem.
Procedimento comum ordinário
|
Procedimento especial Lei de
Drogas
|
Não há
defesa preliminar
|
Há defesa
preliminar
|
Há
possibilidade de absolvição sumária
|
Não há
possibilidade de absolvição sumária
|
8
testemunhas
|
5
testemunhas
|
Cabimento
de diligências
|
Não cabem
diligências
|
Alegações
finais orais, com possibilidade de conversão em escrita.
|
Alegações
finais orais
|
17.Competência
De acordo
com o art. 109, VI, in fine, da CF,
os crimes contra o sistema a ordem econômico-financeira somente serão julgados
pela Justiça Federal nos casos determinados em lei.
Art. 109, CF. Aos juízes federais compete processar e julgar:
Vejamos quais são as leis que fixam
a competência nestes casos:
ü Lei
1521/51 (crimes
contra a economia popular): nada estabelece quanto à competência, razão pela
qual o processo e julgamento desses crimes será da Justiça Estadual.
Súmula 498, STF: Compete a justiça dos estados, em ambas as instâncias, o processo
e o julgamento dos crimes contra a economia popular.
ü Lei
4595/64 (concessão
de empréstimos): nada estabelece quanto à competência, razão pela qual o
processo e julgamento desses crimes será da Justiça Estadual;
ü Lei
7492/86: o art. 26
estabelece expressamente a competência da Justiça Federal;
ü Lei
8137/90 (crimes
contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo): quanto aos crimes
tributários, a competência será determinada com base na natureza do tributo.
Assim, se estamos falando de tributo de natureza federal, a competência será da
Justiça Federal; se estamos falando de tributo estadual ou municipal, a
competência será da Justiça Estadual;
ü Lei
8176/91 (crime de
adulteração de combustíveis): nada estabelece quanto à competência, razão pela
qual o processo e julgamento desses crimes será da Justiça Estadual, pouco
importando o fato da fiscalização do comércio de combustíveis ser realizada
pela Agência Nacional de Petróleo;
ü Lei
9613/98 (crimes de
lavagem de capitais): o art. 2º, III estabelece expressamente a competência da
Justiça Federal nos seguintes casos:
Art. 2º, III - são da competência da Justiça Federal:
a) quando praticados
contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas;
Para Renato Brasileiro, a expressão
em destaque é inócua, já que todo crime de lavagem de capitais é contra o ordem
econômico-financeira.
Em
entendimento diverso, Nucci defende que todos os crimes de lavagem são da
competência da Justiça Federal.
Conclusão,
por meio de interpretação do dispositivo: em regra, é da competência da Justiça
Estadual, salvo se houver lesão a bens, serviços e interesses da União, suas
autarquias e empresas públicas, ou se a infração antecedente for de competência
da Justiça Federal. Neste sentido o RHC 11918 do STJ, assim ementado:
CRIMINAL. RHC. "LAVAGEM" DE DINHEIRO. CRIMES FALIMENTARES, ESTELIONATOS E FALSIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. DENÚNCIA MAIS OU MENOS GENÉRICA ADMITIDA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS COMPROBATÓRIOS DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO PACIENTE E O DELITO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO DESPROVIDO.
(...) A competência para o crime de lavagem de dinheiro é definida diante do caso concreto e em função do crime antecedente. Se o crime anterior for de competência da Justiça Federal, caberá a esta o julgamento do processo relacionado ao crime acessório. Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de delito de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores oriundos, em tese, de crimes falimentares, estelionatos e falsidade, se inexistente, em princípio, imputação de delito antecedente afeto à Justiça Federal.
Recurso desprovido.
17.1. Competência para decidir sobre
possível a reunião dos processos em crimes conexos
Art. 2º, II - independem do processo e julgamento
das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão
sobre a unidade de processo e julgamento;
A tendência natural do magistrado será a de separar os
processos, uma vez que a lavagem, após a alteração legislativa, pode advir de
qualquer espécie de crime, e não de infração prevista em rol específico.
17.2. Varas especializadas para o
julgamento da lavagem de capitais
Após pesquisa feita com magistrados em 2011, e a
constatação de que poucos conheciam sobre os crimes de lavagem, o Conselho da
Justiça Federal editou a Resolução n. 314, determinando que fossem criadas
varas especializadas nos crimes de lavagem de capitais.
Posteriormente,
os Tribunais Regionais Federais editaram provimentos para atender à Resolução,
estabelecendo, por exemplo, que a 2ª e 6ª varas sejam especializadas para
lavagem de capitais.
Há
quem entenda que há ofensa ao princípio do juiz natural. Contudo, o
entendimento é errôneo, posto que a especialização de varas não ofensa tal
princípio.
Além
disso, no âmbito da Justiça Federal, esta especialização tem previsão legal:
Art. 12, Lei 5010/66 (Lei que organiza a Justiça Federal). Nas Seções Judiciárias em que houver mais de uma Vara, poderá o
Conselho da Justiça Federal fixar-lhes sede em cidade diversa da Capital,
especializar Varas e atribuir competência por natureza de feitos a determinados
Juízes.
O
Conselho da Justiça Federal é órgão que funciona na estrutura do Superior
Tribunal de Justiça.
II - o
Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão
administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus,
como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão
caráter vinculante.
A partir da
CF/88, o Conselho da Justiça Federal deixou de ter atribuições jurisdicionais,
adotando função meramente administrativa e orçamentárias. Logo, este Conselho
não pode especializar varas. Por isso, o STF entendeu que a Resolução 314 do
Conselho da Justiça Federal seria inconstitucional.
Por isso,
deve ser feita leitura do art. 12 da Lei 5010/66 à luz da Constituição Federal,
leia-se, nas seções judiciais em que houver mais de uma vara, poderá o
respectivo Tribunal Regional Federal fixar-lhe sede em cidade diversa,
especializar varas e atribuir competência por natureza de feitos a determinados
juízes.
Apesar da
inconstitucionalidade da Resolução 314 do Conselho da Justiça Federal, o
Supremo entendeu que os provimentos dos Tribunais são plenamente válidos, eis
que oriundos do poder de auto-organização administrativa daqueles.
Ainda
segundo o STF, a especialização de varas não é matéria alcançada pelo princípio
da reserva de lei em sentido estrito, mas sim pela legalidade em sentido amplo.
Neste sentido o HC 86660 e o 91024, ambos do Supremo.
No que tange
a possibilidade de redistribuição do feito após especialização das varas, vale
lembrar que, no processo penal, aplica-se subsidiariamente a regra da
perpetuação de competência, prevista no art. 87 do CPC.
Art. 87, CPC. Determina-se
a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as
modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão
judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
Portanto, se
o processo teve início perante um juiz, deverá terminar com ele, salvo se:
- houver
supressão do órgão judiciário;
- se houver
alteração da competência em razão da matéria;
- se houver
alteração da competência em razão da hierarquia;
Veja que a
segunda hipótese – alteração da competência em razão da matéria – é exatamente
a que se amolda ao caso de especialização de varas. Por isso, o STJ entendeu
que é possível a redistribuição dos feitos para a vara especializada em sua
matéria. Neste sentido, o REsp 628673, assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. JUÍZOS FEDERAIS CRIMINAIS. PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. RESOLUÇÃO 20/2003 DO TRF DA 4ª REGIÃO. ESPECIALIZAÇÃO DE VARAS CRIMINAIS. VALIDADE.
A Resolução 20/2003 do TRF da 4ª Região, que determinou a competência de Vara Federal Criminal de Florianópolis/SC para “...processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores...”, não viola os artigos 69 a 91 do CPP, o artigo 8º do Decreto Federal que integrou a Convenção Americana sobre direitos humanos, e não afronta o princípio constitucional do juiz natural.
O juízo não é determinado casuisticamente, há uma regra pré-estabelecida para se determinar o juízo competente, e é nisto basicamente que se assenta o princípio do juiz natural.
Esta regra, qual seja, a Resolução 20/2003 do TRF da 4ª Região baseou-se nas Leis nº 5.010/66, 7.727/89 e 9.664/98, sendo que o referido ato do Conselho da Justiça Federal destina-se, à vista da sua atribuição, a zelar pela eficácia célere da prestação jurisdicional no âmbito da jurisdição federal ordinária.
Recurso conhecido, mas desprovido.
18.Justa
causa duplicada
Vale lembrar
que justa causa é expressão muito controversa no direito processual, posto ser
muito aberta. No entanto, pode ser compreendida como lastro probatório mínimo indispensável para a instauração de um
processo penal.
Por que o
uso da expressão duplicada? Vale lembrar que o crime de
lavagem de capitais é um crime acessório, parasitário, posto que depende de uma
infração penal antecedente, ou seja, necessário demonstrar que os direitos,
valores e bens ocultados são oriundos da prática de um crime anterior.
Por isso,
exige-se que o titular da ação penal apresente justa causa de forma dupla, ou
seja, do crime antecedente e do crime de lavagem de capitais. Neste sentido o
HC 128590 do STJ, assim ementado:
HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. IMPETRAÇÃO QUE DEVE
SER COMPREENDIDA DENTRO DOS LIMITES RECURSAIS. AÇÃO PENAL MOVIDA CONTRA O PACIENTE E CORRÉ. CONDENAÇÃO POR CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E NATURALIZAÇÃO FRAUDULENTA. SENTENÇA E ACÓRDÃO REGIONAIS UNIFORMES NA CONDENAÇÃO. PENA IMPOSTA REDUZIDA EM PARTE POR ESTE ÚLTIMO PARA RECONHECER A CONTINUIDADE NOS CRIMES DE LAVAGEM. ORDEM
DENEGADA.
(...) III. Alegação de falta de justa causa para a ação penal por ausência de demonstração do crime antecedente - supostamente de tráfico de entorpecentes praticado no México - do qual, sustenta a defesa, o paciente foi absolvido pelo Grande Júri norte-americano.
IV. Alegação de nulidade do processo por utilização de prova ilícita constituída por depoimento de testemunha presa nos estados Unidos e ouvida por cooperação internacional durante a instrução judicial por autoridade não judicial e sem a participação da defesa do paciente.
V. A existência de fortes elementos de convicção reafirmados pela sentença e acórdão na apelação e uniformemente reportados por depoimentos precisos de testemunhas ouvidas diretamente pelo Juízo, entre elas agente especial da DEA (Drug Enforcement Administration), entidade estatal americana de repressão ao tráfico de drogas, e da companheira do chefe do Cartel de Juarez-México, comprovam a prática de tráfico internacional de drogas por organização criminosa da qual participava o paciente com destacada atuação. Justa causa indiscutivelmente presente.
(...) VIII. Habeas-corpus que se denega pela inexistência de nulidade ou de falta de justa causa, como por inviabilidade de reexame de provas e fatos, além de constituir utilização inadequada da garantia constitucional.
19.Art.
366 do CPP
Art. 366, CPP. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,
podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas
urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto
no art. 312.
19.1. Requisitos
ü CITAÇÃO POR EDITAL: trata-se de
medida de ultima ratio, somente a ser
tomada após esgotados os meios de localização do acusado e de citação pessoal;
Art. 361, CPP. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15
(quinze) dias.
ü NÃO COMPARECIMENTO DO ACUSADO E DE
SEU ADVOGADO CONSTITUÍDO: ou seja, subentende-se que o acusado não tomou
conhecimento da acusação que lhe pesa. Considerando a alteração legislativa,
não sendo mais o interrogatório o primeiro ato praticado no processo, mas sim a
apresentação de resposta, entende-se que o correto nesse requisito é a não
apresentação de resposta escrita à acusação;
19.2. Consequências
decorrentes da aplicação do art. 366 do CPP
ü SUSPENSÃO DO PROCESSO E DA
PRESCRIÇÃO: a lei não dispõe sobre limita temporal para esta suspensão. Há,
nesse ponto, divergência na doutrina e jurisprudência:
1ª corrente
(STJ): a prescrição deve permanecer suspensa de acordo com a prescrição da
pretensão punitiva abstrata;
Súmula 415, STJ: O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo
máximo da pena cominada.
2ª corrente
(STF): a suspensão do processo e da prescrição pode perdurar por prazo
indeterminado. Nesse sentido o RE 460971.
(...) II. Citação por edital e
revelia: suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, por tempo
indeterminado - C.Pr.Penal, art.
366, com a redação da L. 9.271/96.
1. Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Ext. 1042, 19.12.06, Pertence, a Constituição Federal não proíbe
a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do
C.Pr.Penal.
2. A indeterminação do
prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não
impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento
futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade.
3. Ademais, a Constituição Federal se limita, no
art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência material
das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária
criasse outras hipóteses.
4. Não cabe, nem mesmo
sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 do C.Pr.Penal ao tempo
da prescrição em abstrato, pois, "do contrário, o que se teria, nessa
hipótese, seria uma causa de interrupção, e não de suspensão."
5. RE provido, para excluir o limite temporal
imposto à suspensão do curso da prescrição.
No próprio
STF, está sob julgamento o RE 600851, com repercussão geral reconhecida sobre o
tema, de modo que poderá haver alteração de entendimento.
ü PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS
URGENTES: deve ocorrer antes da suspensão do processo e da prescrição.
A prova
testemunhal, por si só, não é considerada urgente (entendimento bom para
Defensoria Pública).
No entanto,
há quem entenda se tratar de prova urgente, já que a memória da testemunha
poderá ficar comprometida com o decurso do tempo (entendimento bom para
Ministério Público e recentemente adotado pelo STF).
HC 110280/MG. FURTO
QUALIFICADO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ART. 366 DO CPP. PROVA TESTEMUNHAL.
MEDIDA CAUTELAR. CARÁTER URGENTE. FALIBILIDADE DA MEMÓRIA HUMANA. COLHEITA EM
RELAÇÃO AO CORRÉU QUE COMPARECEU AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.
1. Não obstante o
enunciado n. 455 da Súmula desta Corte de Justiça disponha que a decisão que determina a
produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser
concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do
tempo, a natureza urgente ensejadora da produção antecipada de provas, nos
termos do citado artigo, é inerente à prova testemunhal, tendo em vista a
falibilidade da memória humana, motivo pelo qual deve ser colhida o quanto
antes para não comprometer um dos objetivos da persecução penal, qual seja, a
busca da verdade dos fatos narrados na denúncia.
2. Não há como negar o
concreto risco de perecimento da prova testemunhal tendo em vista a alta
probabilidade de esquecimento dos fatos distanciados do tempo de sua prática,
sendo que detalhes relevantes ao deslinde da questão poderão ser perdidos com o
decurso do tempo à causa da revelia do acusado.
3. O deferimento da
realização da produção antecipada de provas não traz qualquer prejuízo para a
defesa, já que, além do ato ser realizado na presença de defensor nomeado para
o ato, caso o acusado compareça ao processo futuramente, poderá requerer a
produção das provas que entender necessárias para a comprovação da tese
defensiva.
4. Na hipótese
vertente, o Magistrado Singular determinou a produção antecipada das provas ao
argumento de que a colheita dos elementos de informação já ia ser realizada em
relação ao corréu ** - que havia comparecido aos autos e apresentado a sua
defesa -, razão pela qual as oitivas das testemunhas, que seriam comuns, já
poderiam ser aproveitadas para o paciente revel, assegurando, ainda, que o ato
seria efetivado na presença de defensor dativo, fundamentação que se mostra
idônea a justificar a antecipação da medida.
5. O temor na demora da
produção de prova se justifica, ainda, pelo fato do suposto delito narrado na
denúncia ter ocorrido em 2008, isto é, aproximadamente 2 (dois) anos antes de
proferida a decisão que deferiu a produção antecipada de provas, correndo-se
enorme risco de que detalhes relevantes do caso se perdessem na memória das
testemunhas, circunstâncias que evidenciam a necessidade da medida
antecipatória.
6. Ordem denegada.
Para o STJ,
a prova testemunhal, por si só, não tem natureza urgente e deve ser
interpretada à luz do art. 225 do CPP.
Art. 225, CPP. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou
por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não
exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes,
tomar-lhe antecipadamente o depoimento.
Súmula 455, STJ. A decisão que determina a produção antecipada de provas com
base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando
unicamente o mero decurso do tempo.
ü DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA: não
se trata de medida automática; sua decretação depende da presença dos
pressupostos dos art. 312 e 313 do CPP.
19.3.
Aplicação do art. 366 do CPP na lei de lavagem
Na lei de
lavagem, é preciso estar atenta quanto à aplicação do art. 366 do CPP:
Art. 2º, § 2o No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o
disposto no art.
366 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser
citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de
defensor dativo.
Se
o acusado, citado por edital, não apresentar resposta à acusação (primeiro ato
processual), o feito deve prosseguir com a nomeação de defensor dativo.
Alguns
autores entendem que esta vedação à aplicação do art. 366 do CPP ao crime de
lavagem é inconstitucional. Contudo, no caso de prova escrita, deve-se
assinalar a constitucionalidade, em acordo com o texto legal.
20.Liberdade
provisória nos crimes de lavagem
Antes da lei
12683/12, havia vedação expressa à concessão de liberdade provisória:
À época,
muitos doutrinadores já entendiam pela inconstitucionalidade da vedação. A Lei
12683/12, em conformidade com o entendimento doutrinário, revogou este
dispositivo, razão pela qual se admite a concessão de liberdade provisória, com
ou sem fiança, cumulada ou não com as medidas cautelares diversas da prisão,
para os acusados da prática de lavagem de capitais.
Merece destaque a medida cautelar
prevista no VI do art. 319 do CPP:
Art. 319, VI, CPP - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização
para a prática de infrações penais.
21.Recurso
em liberdade
O art. 594
do CPP, que estabelecia o recolhimento à prisão como pressuposto de
admissibilidade recursal caso o acusado não fosse primário ou não tivesse bons
antecedentes, foi revogado recentemente pela Lei 11719/2008.
Art. 594, CPP - O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar
fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na
sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto.
O
dispositivo vigorou por muitos anos. O STJ chegou a editar uma súmula
conferindo validada a ele:
Súmula 9, STJ. A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a
garantia constitucional da presunção de inocência.
A partir do
julgamento do HC 88420 pelo STF, reconheceu-se que o duplo grau de jurisdição
consta expressamente da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, por isso,
não pode ser tolhido em face do não recolhimento do acusado à prisão.
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SENTENÇA
CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO. PROCESSAMENTO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE
RECOLHIMENTO DO RÉU À PRISÃO.
DECRETO DE CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO PREJUDICADO. PRISÃO PREVENTIVA SUBSISTENTE
ENQUANTO PERDURAREM OS MOTIVOS QUE A MOTIVARAM. ORDEM CONCEDIDA
I - Independe do recolhimento à prisão o regular
processamento de recurso de apelação do condenado.
II - O decreto de prisão preventiva, porém, pode
subsistir enquanto perdurarem os motivos que justificaram a sua decretação.
III - A garantia do devido processo legal engloba o
direito ao duplo grau de jurisdição, sobrepondo-se à exigência prevista no art.
594 do CPP. IV - O acesso à instância recursal superior consubstancia direito
que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias
fundamentais.
V - Ainda que não se empreste dignidade
constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil
deu-se em 1992, data posterior à promulgação Código de Processo Penal.
VI - A incorporação posterior ao ordenamento
brasileiro de regra prevista em tratado internacional tem o condão de modificar
a legislação ordinária que lhe é anterior.
VII - Ordem concedida.
Esse julgado acabou por mudar a
orientação dos demais Tribunais, tanto que o STJ, embora não tenha cancelado a
Súmula 9, editou a Súmula 347, contrária à anterior:
Súmula 347, STF - O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua
prisão.
Conforme
já mencionado, a Lei 11719/2008 revogou o art. 594 do CPP, estando o novo
regramento disposto no art. 387, parágrafo único do mesmo diploma:
Art. 387, CPP. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for
o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.
O art. 3º, que previa
que o juiz poderia impor o recolhimento à prisão como condição para o recurso,
foi revogado pela Lei 12683/12.
Conclusão:
a regra que proíbe a condição de recolhimento à prisão para apelar deve ser
aplicada a todo o ordenamento, ainda que a legislação especial preveja de forma
diferente.
22.Alienação
antecipada
Consiste na
venda antecipada de bens móveis considerados instrumentos da infração penal ou
daqueles que constituam proveito auferido pelo agente com a prática da infração
penal, ou até mesmo de bens móveis de origem lícita, que tenham sido
apreendidos, seqüestrados ou arrestados, desde que tais bens estejam sujeitos a
qualquer grau de depreciação ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
Na redação
original da Lei 9613/98, não havia previsão legal para a alienação antecipada
de bens. Com a alteração pela Lei 12683/12, inseriu-se tal previsão:
Art. 4º, O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante
representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte
e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá
decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou
acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento,
produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais
antecedentes.
§ 1o Proceder-se-á à alienação
antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a
qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para
sua manutenção.
Art. 4o-A. A alienação antecipada para preservação de valor de bens sob
constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério
Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que
será autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação
ao processo principal.
§ 1o O requerimento de alienação deverá
conter a relação de todos os demais bens, com a descrição e a especificação de
cada um deles, e informações sobre quem os detém e local onde se
encontram.
§ 2o O juiz determinará a avaliação dos
bens, nos autos apartados, e intimará o Ministério Público.
§ 3o Feita a avaliação e dirimidas eventuais
divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor
atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão ou pregão,
preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por
cento) da avaliação.
§ 4o Realizado o leilão, a quantia apurada
será depositada em conta judicial remunerada, adotando-se a seguinte
disciplina:
I - nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça do
Distrito Federal:
a) os depósitos serão efetuados na Caixa Econômica Federal ou em
instituição financeira pública, mediante documento adequado para essa
finalidade;
b) os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal ou por
outra instituição financeira pública para a Conta Única do Tesouro Nacional,
independentemente de qualquer formalidade, no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas; e
c) os valores devolvidos pela Caixa Econômica Federal ou por
instituição financeira pública serão debitados à Conta Única do Tesouro
Nacional, em subconta de restituição;
II - nos processos de competência da Justiça dos Estados:
a) os depósitos serão efetuados em instituição financeira designada
em lei, preferencialmente pública, de cada Estado ou, na sua ausência, em
instituição financeira pública da União;
b) os depósitos serão repassados para a conta única de cada Estado,
na forma da respectiva legislação.
§ 5o Mediante ordem da autoridade judicial,
o valor do depósito, após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação
penal, será:
I - em caso de sentença condenatória, nos processos de competência
da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal, incorporado
definitivamente ao patrimônio da União, e, nos processos de competência da
Justiça Estadual, incorporado ao patrimônio do Estado respectivo;
II - em caso de sentença absolutória extintiva de punibilidade,
colocado à disposição do réu pela instituição financeira, acrescido da
remuneração da conta judicial.
§ 6o A instituição financeira depositária
manterá controle dos valores depositados ou devolvidos.
§ 7o Serão deduzidos da quantia apurada no
leilão todos os tributos e multas incidentes sobre o bem alienado, sem prejuízo
de iniciativas que, no âmbito da competência de cada ente da Federação, venham
a desonerar bens sob constrição judicial daqueles ônus.
§ 8o Feito o depósito a que se refere o § 4o
deste artigo, os autos da alienação serão apensados aos do processo
principal.
§ 9o Terão apenas efeito devolutivo os
recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento
previsto neste artigo.
§ 10. Sobrevindo o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, o juiz decretará, em favor, conforme o caso, da União ou do
Estado:
I - a perda dos valores depositados na conta remunerada e da
fiança;
II - a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles aos
quais não foi dada destinação prévia; e
III - a perda dos bens não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias
após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvado o direito de
lesado ou terceiro de boa-fé.
§ 11. Os bens a que se referem os incisos II e III do § 10
deste artigo serão adjudicados ou levados a leilão, depositando-se o saldo na
conta única do respectivo ente.
§ 12. O juiz determinará ao registro público competente que
emita documento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados sob
o uso e custódia das entidades a que se refere o caput deste
artigo.
§ 13. Os recursos decorrentes da alienação antecipada de bens,
direitos e valores oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas e que tenham
sido objeto de dissimulação e ocultação nos termos desta Lei permanecem
submetidos à disciplina definida em lei específica.
Vale
lembrar que, modernamente, entende-se que a eficácia do processo legal está
atrelada não só à punição do agente, mas sim a recuperação de bens de vítimas.
No que tangencia ao tema Lavagem de
Dinheiro, responda fundamentadamente se há no ordenamento pátrio a “reserva de
autolavagem” e discorra sobre o tratamento jurídico da “autolavagem”
(selflaundering) no Brasil sob os prismas da legislação, da doutrina e dos
precedentes dos Tribunais Superiores.
RESPOSTA
* Há países (v. g.: Itália e França)
em que o autor da infração antecedente não pode responder pelo crime de lavagem
de dinheiro (selflaundering), atendendo-se à reserva contida no art. 6º, item
2, “e”, da Convenção de Palermo
(“se assim o exigirem os princípios
fundamentais do direito interno de um estadoparte, poderá estabelecer-se que as
infrações enunciadas no parágrafo 1 do presente artigo não sejam aplicáveis às pessoas
que tenham cometido a infração principal;”). Por excluírem expressamente o
autor do crime antecedente do âmbito da lavagem de dinheiro, diz-se que estes
países14 fazem a “reserva de autolavagem”.
13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.
cit., p. 298.
14 “Outros, como a Espanha (art.
301, 1) e Portugal (art. 368-A, 2) fazem referência direta à punição da
autolavagem como
concurso de crimes.” (BOTTINI,
Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro na APn 470/MG. Revista dos Tribunais, vol.
933, jul.
2013, p.
383)
* Interpretando-se
esse dispositivo, entende-se que deve estar expresso na legislação interna o
fato de não ser punível o mesmo agente por ambos os crimes.
* Na Itália e na
França, por exemplo, prenomina a estruturação típica da lavagem de capitais
como a da receptação ou do favorecimento real, não se
admitindo que o autor
da infração antecedente seja também o autor da conduta de
reciclagem. Em outros
termos, nessas legislações a lavagem de capitais é
considerada post
factum impunível.
* Por outro lado, no
Brasil, não existe tal vedação legal, “sendo este
um claro indicativo da
possibilidade de responsabilização criminal do autor do delitobase
pelo crime de lavagem
de capitais”15. Em outros termos: não
há a “reserva de
autolavagem”
no Brasil.
* Fixada esta noção,
calha acentuar como a doutrina e os tribunais
têm se posicionado
sobre o tema (autolavagem):
* Primeira corrente
doutrinária: não pode haver concurso material
entre a infração
antecedente e o branqueamento, assim como não ocorre concurso
material entre o
delito antecedente e a receptação/favorecimento real praticados
pelo mesmo autor. Para
Delmanto16, “àquele que é condenado
pelo delito
antecedente não se
pode impor o dever jurídico de espontaneamente entregar ao
Estado, para ser
confiscado, o produto ou o provento do crime pelo qual foi
apenado. É contra a
natureza das coisas, o bom senso e até mesmo a lógica punir o
delinquente por ter,
ele mesmo, sem ofender outros bens juridicamente tutelados
[…] ocultado ou
dissimulado a origem do dinheiro proveniente do crime que praticou
e pelo qual já está
sendo punido. A conduta posterior é, portanto, atípica; a sua
punição, ademais,
importaria em inadmissível bis in idem”.
Para esse entendimento,
a lavagem funcionaria
como mero exaurimento do delito precedente. Argumenta-se,
ainda,
que a tese do concurso material fere de morte o princípio que veda a
autoincriminação
(art. 5º, LXIII, CR/88), haja vista que não se poderia exigir de uma
pessoa
que delinquiu que se entregue à polícia ou à Justiça.
*
Segunda corrente doutrinária17:
preconiza que, ao contrário do que
se dá
com a receptação e o favorecimento real, nada impede que o sujeito ativo da
infração
antecedente também responda pelo crime de lavagem de capitais
(selflaundering),
pelos seguintes motivos18: a)
a legislação brasileira não veda
expressamente
a punição da autolavagem, inexistindo a chamada “reserva
de
autolavagem” prevista em outros países; b) comparando-se a
redação do art. 1º da
lei
9.613/98 com aquela do art. 349 do Código Penal, nota-se que consta desse tipo
penal
expressa exoneração do autor do ilícito antecedente, o que não acontece no
crime
de lavagem de capitais; c) não
se afigura possível a aplicação do princípio da
consunção
(incidente nas hipóteses de pós-fato impunível) em razão de o
branqueamento
configurar lesão autônoma a bem jurídico diverso daquele afetado
pela infração
antecedente; ser praticado contra sujeito passivo distinto e cometido
por meio de conduta
não compreendida como consequência natural e necessária da
primeira; d)
não há ofensa ao brocardo nemo tenetur se
detegere, haja vista que, em
virtude do princípio
da convivência das liberdades, não se permite que qualquer
das
liberdades seja
exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias,
do que se infere que o
aludido brocardo não pode ser entendido em sentido
absoluto. Assim, da
mesma forma que o autor de um homicídio também responde
por fraude processual
(art. 347, CP), caso venha a inovar artificiosamente o estado
do lugar, de coisa ou
de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito em
processo penal, o
autor da infração antecedente também deverá responder por
lavagem de capitais
se, após o exaurimento do delito-base, empreender nova
conduta delituosa
visando à ocultação dos bens, direitos e valores obtidos
ilicitamente. Não se
pode admitir que o direito de não produzir prova contra si
mesmo possa atenuar a
responsabilidade criminal do agente quanto a este novo
delito por ele
praticado para ocultar o primeiro19; e)
Renato Brasileiro20 aponta,
ainda,
outro argumento em
reforço à segunda corrente: “levando-se em consideração que
um terceiro que não
concorreu para a infração antecedente pode, de alguma forma,
concorrer para a
lavagem de dinheiro, que permanece sob a direção e controle do
autor da
infração-base, que, por possuir domínio do fato, seria considerado autor,
fosse vedada a punição
da autolavagem, ter-se-ia, então, uma situação em que
existiriam partícipes
de um crime sem autor.”21
* Exceção
à possibilidade de punição da autolavagem: nas
modalidades adquirir, receber
e receber em garantia do
art. 1º, § 1º, II, da Lei
9.613/98, entende-se
que, por uma questão lógica, o sujeito ativo do delito será
necessariamente pessoa
diversa daquela que praticou a infração antecedente,
porquanto não se pode
adquirir o que já é seu, nem se receber algo a não ser que
essa
coisa pertença a terceiro.22
* Precedentes
do STF23 e do STJ: os
Tribunais Superiores têm
admitido a punição do
autor tanto pelo crime antecedente por ele praticado como
pela subsequente lavagem
de dinheiro, em razão de que: a) não há falar em mero
exaurimento do
delito-base; b) a lavagem de dinheiro configura crime autônomo; c)
não há bis
in idem em razão de os bens jurídicos tutelados serem
diversos (em
regra). As ementas
abaixo ilustram esse entendimento:
[...].
IV. não sendo considerada a lavagem de capitais mero
exaurimento
do crime de corrupção passiva, é possível que dois dos
acusados
respondam por ambos os crimes, inclusive em ações penais
diversas, servindo, no presente caso, os indícios da
corrupção
advindos da AP 477 como delito antecedente da lavagem.
V.
o fato de um ou mais acusados estarem sendo processados por
lavegam
em ação penal diversa, em curso perante o supremo
tribunal
federal, não gera bis in idem, em face da provável
diversidade
de contas correntes e das importâncias utilizadas na
consumação
do suposto delito. [...]. (Inq 2471, Tribunal
Pleno do
STF, rel. Min. Ricardo Lewandowski. DJe-043
publicado em 01-03-
2012).
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